quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A história que nos une


Lagoa Santa, Vespasiano, Jaboticatubas, Pedro Leopoldo, Santa Luzia, Sabará... Cidades independentes, cada qual com seus governantes e órgãos administrativos. Porém, nem sempre foi assim... Ao retrocedermos no tempo e na História dessas cidades, chegamos a uma origem e uma situação político-administrativa comum.

Até o início do século XVIII, Minas Gerais era uma parte praticamente desconhecida do território da Capitania do Rio de Janeiro e habitada por diversos povos indígenas. A ocupação do Brasil ainda estava restrita à faixa litorânea, quando os bandeirantes paulistas adentraram as terras mineiras em busca do tão sonhado ouro americano e os encontraram na última década do século XVII.

A mineração foi a responsável por atrair centenas de pessoas, fixando-as nas proximidades dos cursos d'água e fundando os primeiros arraiais de Minas Gerais. Com o tempo, alguns foram promovidos a vilas, ganhando câmaras municipais e órgãos administrativos próprios e, portanto, maior controle da metrópole portuguesa. Em 1711, já havia em Minas três vilas: Vila Rica (atual Ouro Preto); Ribeirão do Carmo (atual Mariana) e Vila Real do Sabarabuçu (atual Sabará). É em torno dessa última que está a origem de tantas outras cidades mineiras aqui citadas.

Em 1708, a região das minas foi desmembrada do Rio de Janeiro para compor a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, tornando-se a Capitania de Minas Gerais apenas em 1720. Nessa época, estava dividida em três Comarcas, cada qual com seus Arraiais, Vilas e Sede Administrativa. A Comarca do Rio das Velhas compreendia um amplo território onde hoje localizam-se mais de 20 municípios, inclusive Belo Horizonte. Posteriormente, essa comarca foi desmembrada em mais duas: Serro Frio e Paracatu. Todos os arraiais e vilas da Comarca do Rio das Velhas estavam sob a jurisdição de sua sede, a Vila de Sabará. Para lá eram enviados os tributos e de lá vinham as deliberações da Câmara e da Metrópole

Imaginem as dificuldades enfrentadas pelos moradores de arraiais tão distantes das vilas e seus órgãos administrativos? (É bom lembrarmos que a distância que nos parece relativamente pequena era percorrida em lombo de cavalos por estradas que nem mereciam essa denominação.) Diante disso, os moradores dos arraiais reivindicavam o direito de serem promovidos a vilas e muitos lutaram por isso. Esse foi o caso de Santa Luzia.

Em 1761 os moradores de Santa Luzia e arraiais vizinhos dirigiram-se ao distante Rei de Portugal pleiteando o desmembramento da Vila de Sabará para constituírem uma vila própria. Dentre os argumentos alegados estão a falta de retorno dos tributos que pagavam e as dificuldades de se manter a ordem, pois a distância e indiferença dos políticos levavam à impunidade e injustiça. (Infelizmente as coisas não mudaram muito, não é?!). Apesar do manifesto apresentar argumentos convincentes e assinaturas respeitáveis, o pedido foi negado e Santa Luzia só ganhou o título de Vila em 1847. Muitos povoados subordinados à Sabará passaram então à sua jurisdição.Esse foi o caso de Lagoa Santa, Vespasiano, Pedro Leopoldo, Jaboticatubas e muitos outros.

Com o tempo, esses Arraiais foram se desenvolvendo, passando também a reivindicar sua autonomia. Em momentos diferentes, cada um ganhou o título de Vila e, posteriormente, de cidade. Porém, apesar de percorrerem trajetórias independentes e apresentarem até disputas entre si, não podemos nos esquecer de sua origem comum.

A História tem essa capacidade de nos levar às origens, à reflexão de nossa identidade e à UNIÃO. Com tantas coisas para conquistarmos e mudarmos ao nosso redor, nada melhor do que relembrarmos o passado de sonho e luta que uniu os povos ao longo do Rio das Velhas. Independente de morarmos em Condomínio ou no centro da cidade; em Santa Luzia, Lagoa Santa ou Jaboticatubas; precisamos nos unir em torno de projetos sociais, econômicos, ambientais e culturais que abarquem toda a antiga Comarca do Rio das Velhas. Sei que neste mundo segmentado, especializado e individua-lista, isso parece pura utopia. Mas há algo mais belo e transformador que a Utopia?

Autora: Ana Paula A. Marchesotti
Fonte: Revista Condomínios, v.1,dez/2006

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Conheça um pouco da História da Maria Fumaça...

Dominar ou preservar a natureza:o dilema histórico do homem

Ao presenciarmos tantas pessoas fugindo das grandes cidades e refugiando-se entre árvores, jardins e animais, imaginamos ser essa uma busca constante do ser humano. Porém, a História nos mostra que a relação do homem com a natureza passou por várias mudanças ao longo do tempo e o sentimento que permeou essa relação foi às vezes de animosidade, temor e disputa.

Há alguns séculos atrás a idéia de impedir o desmatamento e a caça predatória pareceria absurda. A visão predominante defendia que o mundo fora criado para beneficiar o homem e que as outras espécies deveriam subordinar-se aos seus desejos e necessidades. A Bíblia reforçava essa idéia - sobretudo no livro do Gênesis - e a tradição cristã se opôs à veneração à natureza presente em cultos antigos e religiões orientais. Também a ciência ajudou a propagar essa idéia defendendo a necessidade de se conhecer profundamente a natureza para, assim, melhor dominá-la e utilizá-la a serviço da vida humana.

Criou-se uma fronteira clara entre o homem e os demais seres vivos, pois assim justificava-se toda e qualquer forma de extermínio e domesticação. Os homens estariam acima da natureza e poderiam usufruir dela a seu bel prazer.

Em fins do século XVII essa visão antropocêntrica - o homem como centro de tudo - foi ruindo e a contestação da soberania humana sobre a fauna e flora ampliou-se. Vários fatores contribuíram para esta mudança: expansão do mundo conhecido a partir do avanço da astronomia; revelação de milhares de seres desconhecidos com a introdução do microscópio; descobertas geológicas e paleontológicas sobre a real idade da Terra e de seres anteriores ao surgimento do homem. Diante dessas novas descobertas, apareceram dúvidas e hesitações quanto ao lugar do homem na natureza e sua relação com os outros seres vivos.

Despertou-se uma nova sensibilidade em relação aos animais que deveriam ser bem tratados e alguns mereceriam até um lugar especial no seio da família. Surgiram críticas quanto à domesticação, ao confinamento em zoológicos e à alimentação carnívora. Os animais eram agora vistos como criações de Deus assim como nós e teriam, portanto, direito a usufruir a vida na Terra.

Novas sensibilidades incluíram também a flora. Até o século XVIII a floresta era considerada selvagem, hostil e perigosa. Era o lar dos animais e não dos civilizados. Cabia, portanto, aos homens afastarem-se das matas ou as destruírem, já que eram obstáculos à civilização e ao progresso.

O desenvolvimento industrial e urbano trouxe consigo conseqüências nocivas à saúde dos homens e à estética do planeta, gerando um saudosismo e uma valorização do campo, das florestas e da natureza em geral. Começaram as construções de parques urbanos, cemitérios-jardins, refúgios para lazer no campo e criação de alamedas. A jardinagem não era mais uma mania dos ricos e sim um hábito generalizado. As flores não eram cultivadas apenas por suas qualidades medicinais, mas, sobretudo por suas características estéticas. As árvores eram cada vez mais valorizadas não apenas por sua utilidade, mas também por seu simbolismo. Campanhas em defesa do plantio de árvores nativas e de proteção aos animais difundiram-se e o contato direto com a natureza tornou-se uma obsessão moderna. A instalação de condomínios fechados em torno das grandes cidades fazem parte desse contexto.

O grande dilema humano da atualidade é conciliar essas novas sensibilidades e valores em relação à natureza com as exigências da modernização e do desenvolvimento econômico que ainda estão sintonizados com a antiga visão destrutiva do meio ambiente. Acredito que o primeiro passo para se mudar o mundo seja mudar o pensamento daqueles que o habitam. Partindo desse pressuposto, creio que estamos no caminho certo. Só espero que o grande dilema seja resolvido a tempo de salvar nosso planeta e todos os seus moradores, sem distinção.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti
Fonte: Revista Condomínios, v. 4, junho/2007.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Preservação do Patrimônio Cultural: direito e dever de todos nós


"A verdadeira riqueza do patrimônio de um povo não está em seus monumentos, em suas obras de arte ou em seu saber coletivo, mas na capacidade desse povo em valorizá-los." (Antônio Sanches del Barrio)

Proponho refletirmos um pouco sobre isso. Será que realmente valorizamos nossas riquezas culturais ou estamos permitindo que ela se esvaia diante de nossos olhos? Utilizamos os canais jurídicos e democráticos disponíveis a fim de preservarmos a herança cultural deixada pelas gerações anteriores ou - por ignorância ou acomodação - permitimos que ela seja apropriada e destruída por interesses particulares?

A defesa do patrimônio cultural é um dos grandes desafios da atualidade, pois diante das velozes transformações sociais, tecnológicas, econômicas, ele corre risco iminente causando graves problemas de identidade mundial. Infeliz é o povo que perde suas raízes e referências históricas! Afinal - como já nos dizia o filósofo Sorem Kierkegaard - a vida "só pode ser vivida olhando-se para frente, mas só pode ser compreendida olhando-se para trás".

O reconhecimento universal de que a maior riqueza do planeta é sua diversidade cultural levou à formulação de inúmeras leis de proteção aos bens culturais. O mundo já tomou consciência da necessidade de colocar freios na ação devastadora que destrói a natureza e as culturas do planeta. No entanto, sabemos que o desafio não é criar novas leis e sim garantir que sejam cumpridas. Mesmo com as rigorosas leis atuais, presenciamos a cada dia o desaparecimento de nossas riquezas culturais sem que haja qualquer mobilização governamental ou popular em sua defesa.

A política de preservação do patrimônio histórico e cultural no Brasil começou durante o Governo Getúlio Vargas. Em 1937 foi promulgada a Lei do Tombamento em vigor até hoje. Foi seguida pelas Leis de proteção ao patrimônio arqueológico de 1961; às obras de arte de 1965; aos documentos e acervo bibliográfico de 1968, aos bens imateriais (manifestações culturais, saberes, celebrações,...) de 2000 e, sobretudo, pela Constituição de 1988, uma das mais modernas do mundo nesse assunto.

É interessante lembrar que o idealizador da primeira lei de proteção ao patrimônio histórico foi o modernista Mário de Andrade, criador de Macunaíma. Ao contrário dos "modernistas" atuais que pregam a destruição do "velho" e sua substituição pelo novo e, de preferência, importado, Mário de Andrade e os verdadeiros modernistas sabiam que o novo não se constrói sob o vazio, que é preciso integrar modernidade e tradição e que, mais do que relembrar o passado, é preciso aprender com ele.

Aqueles que defendem a modernização das cidades eliminando as referências do passado (traçado urbano, construções, distribuição tradicional da população, antigas tradições...) para que não impeçam o seu progresso e desenvolvimento, lamentavelmente, perderam o trem da História. Esse é um pensamento ultrapassado que marcou o fim do século XIX e início do XX. As pessoas antenadas com o nosso tempo sabem que a preservação do patrimônio cultural é hoje uma bandeira internacional por ser uma necessidade do homem moderno e que, além de não atrapalhar o desenvolvimento das cidades, pode se tornar um de seus maiores propulsores. É só lembrarmos da potencialidade do Turismo Cultural.

A comunidade é a verdadeira responsável e guardiã de seus valores e bens culturais, o que demanda uma ação mais atuante em sua defesa. Evidentemente, o Poder Público tem suas responsabilidades. Além de fiscalizar e criar medidas legais de proteção, deve incentivar, criar oportunidades de financiamento, apoiar agentes culturais, promover ações educativas que os valorizem.

Infelizmente a área cultural nunca foi uma prioridade estatal, alegando-se a necessidade de assegurar, em primeiro lugar, as necessidades básicas da população. Isso é inquestionável, pois eu jamais defenderia verbas para a cultura em detrimento da saúde, saneamento básico e outros. Porém, será que é apenas uma questão de escassez de recursos? Sinceramente, não acredito nesse discurso.

Para encerrar essa reflexão, quero lembrar um trecho de uma música dos Titãs:


A gente não quer só comida.

A gente quer comida, diversão e arte.

A gente não quer só comida

A gente quer bebida, diversão, ballet.


Nós, seres humanos, queremos e necessitamos de CULTURA.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti
Fonte: Revista Condomínios, v.6, out/2007