sábado, 4 de julho de 2009

De Ícaro a Dumont.



A overdose de notícias e análises técnicas sobre o acidente aéreo da Air France provocou grande comoção internacional e aumentou, em muitos, o pânico de voar. Apesar de conhecerem as estatísticas que provam que o risco de morte é muito maior em veículos automotores, muitas pessoas ainda acham que voar não é coisa para os homens. Afinal não nascemos com asas... Isso me fez lembrar os pioneiros que ousaram questionar a natureza humana e dedicaram sua vida ao sonho de voar.
A mitologia grega eternizou o sonho e a imprudência de Ícaro. Filho do artista e inventor ateniense Dédalo, Ícaro vivia com seu pai na ilha de Creta. Ambos eram prisioneiros no labirinto do temido Minotauro. Dédalo, então, fabricou asas artificiais adaptando suas espátulas e utilizando cera para que pudessem fugir da ilha pelos ares. Antes que partissem, instruiu o filho para que não voasse alto, pois não poderiam se aproximar demasiadamente do sol. Ícaro, porém, esqueceu-se das recomendações paternas e voou cada vez mais alto. O sonho de navegar pelos ares foi mais forte que a prudência recomendada. A cera das asas derreteu, ele caiu e se afogou no Mar Egeu.
Trata-se de uma entre tantas tragédias gregas, mas que demonstra como o ser humano busca sempre superar suas limitações e “voar” longe... Séculos mais tarde o sonho de Ícaro virou realidade, apesar de às vezes vir também acompanhado de traços de tragédia.
Os homens começaram a conquistar os ares primeiramente com balões esféricos de ar quente, originários de experiências do português Bartolomeu de Gusmão, no século XVIII. Apesar de voar, o balão conduzia-se pelo vento, o que não permitia a escolha de sua direção. Voar no comando, como os pássaros, sempre foi o desejo dos humanos.
Leonardo da Vinci, no século XV, fez longos estudos sobre as asas e o vôo dos pássaros. Não conseguiu colocar seus projetos em prática, mas suas anotações são uma referência notável. Nos séculos seguintes, surgiram relatos da construção de máquinas voadoras estranhas e fantásticas, de sucesso nunca comprovado. O sonho permanecia vivo.
Somente no século XIX surgiram estudos teóricos e práticos mais fundamentados. No início do século XX, a idéia de voar conduzindo a trajetória em um aparelho mais pesado que o ar já era uma realidade no meio científico. Paris era o centro dessa busca onde se concentravam os pioneiros da aviação. Por lá se encontrava um brasileiro franzino de corpo e gigante de determinação: Alberto Santos Dumont.
Dumont nasceu em Minas Gerais em 1873, quando seu pai – filho de imigrantes franceses - comandava a construção de uma estrada de ferro. Posteriormente, seu pai tornou-se fazendeiro de café no Rio de Janeiro e São Paulo, mas sempre levando consigo os hábitos modernizantes de engenheiro. Automatizou os processos de separação de grãos, introduziu inovações na lavoura, construiu ferrovias para o escoamento da safra e substituiu a mão-de-obra escrava pela imigrante. Em alguns anos, transformou sua fazenda na maior produtora de café do país.
Alberto cresceu em um ambiente que valorizava a inovação e sempre foi fascinado por tecnologia. Aos 15 anos viu pela primeira vez um balão esférico e escreveu: “Meditando sobre a exploração do grande oceano terrestre, também eu criava aeronaves e inventava máquinas”. Mais tarde seus devaneios viraram ação em busca desse sonho.
Viajou para Paris, voou em balões e virou um estudioso e construtor de máquinas voadoras. Projetava, financiava e pilotava suas invenções. Seus testes eram públicos e levavam multidões às ruas de Paris. Seu objetivo não era o lucro. Quando alguém se interessava em comprar suas invenções, dizia que não as construía para vender, mas que colocava seu projeto à disposição de qualquer um que quisesse construir um modelo igual ao seu. Seu desejo era difundir a aviação.
Santos Dumont construiu balões, dirigíveis e, em 1905, publicou um artigo afirmando que o desenvolvimento de aeroplanos motorizados mais pesados que o ar já era possível. A partir daí, dedicou-se a esse projeto e no dia 23 de outubro de 1906 realizou o vôo histórico do 14 BIS. Percorreu apenas 60 metros a 3 metros de altura, mas provou que o sonho era agora uma realidade. Um mês depois, fez novo vôo percorrendo 220 metros a uma altura de 6 metros. Os avanços daí em diante seriam rápidos.
Tornou-se uma celebridade no mundo científico, construiu novos aviões, bateu seus próprios recordes. Foi o primeiro a decolar - sem necessidade de uma rampa para lançamento - a bordo de um avião, impulsionado por um motor aeronáutico e o primeiro a cumprir um circuito pré-estabelecido sob testemunho oficial de especialistas, jornalistas e populares.
Doente, passou a dedicar-se a astronomia. Nunca desviou os olhos do céu! Morreu no Brasil, em 1932, de forma suspeita. Alguns acreditam que tenha se suicidado devido a uma depressão provocada pelo uso indevido de sua invenção nas guerras. Pôde presenciar que sua invenção, apesar dos incontestáveis benefícios à Humanidade, também pode provocar tragédias.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti

Documento nos revela a cidade de Lagoa Santa/MG no século XIX.


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Ao desvendarmos a História, muitas vezes nos deparamos com vestígios raros e ricos em informações sobre nosso passado. Vestígios que se transformam em documentos históricos esclarecedores sobre o cotidiano e relações sociais de uma época.
Há alguns anos atrás fui surpreendida com um desses documentos. Estava pesquisando a correspondência do naturalista dinamarquês Peter W. Lund (1801-1880) com seus amigos europeus quando encontrei um mapa de Lagoa Santa/MG do século XIX. Não era um mapa comum, mas sim um esboço das ruas e casas da cidade, seus respectivos moradores e comentários a respeito de alguns deles.
O mapa foi desenhado por Andreas Brandt - companheiro e auxiliar de Lund em suas pesquisas paleontológicas - e tinha como objetivo informar a um amigo sobre os recentes acontecimentos da cidade. O amigo era o renomado cientista J.R.Reinhardt que viveu em Lagoa Santa nos anos de 1850-1852 e 1854-1856 na companhia de seu mestre Peter Lund.
Após retornar à Copenhague, Reinhardt sempre se queixava nas correspondências de saudades do Brasil e dos amigos aqui deixados. Lund, então, pediu a Brandt que fizesse o mapa e ele próprio escreveu uma “legenda” retratando de forma detalhada e, muitas vezes, irônica a vida no pequeno arraial. Documentos como este são um presente para os historiadores, apesar de não ter sido esta a intenção de seus criadores.
Convido-os a percorrer as ruas de Lagoa Santa do século XIX, conhecer seus moradores e alguns detalhes de suas vidas. Tudo isso, através do olhar de dois estrangeiros que aqui viveram e morreram: Andreas Brandt e Peter Lund. Se vocês vivem ou freqüentam Lagoa Santa, sua caminhada pelo centro da cidade não será mais a mesma após essa viagem no “tunel do tempo”. Se vocsê não a conhecem, fica aqui um convite: descubram a Lagoa Santa do século XXI e, também, a do século XIX. Divirtam-se.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti