terça-feira, 2 de março de 2010

“O CONGADO É NOSSO!!!”



A riqueza cultural brasileira é inquestionável, mas ainda nos surpreende. Quanta diversidade! Quantas raízes históricas e culturais expostas em manifestações, ritos e festividades por toda parte! Que país maravilhoso é o Brasil.
O Carnaval é nossa festa popular mais famosa, porém é também a mais massificada. Fico feliz quando ainda vejo comemorações carnavalescas genuínas (Parabéns Bougasamba!), mas infelizmente essas são cada vez mais raras.
Outras festas populares conseguiram manter-se mais fiéis às suas raízes e sua identidade. Mas como estão fora da mídia e do turismo comercial são pouco conhecidas e apreciadas. É o caso do Congado ou Reisado: manifestação cultural caracterizada por Mário de Andrade como um “teatro musical”. Definição brilhante, pois o que vemos nos Congados são grandes bailados dramáticos, regados a música, religiosidade e História.
A comunidade incorpora os personagens de reis, rainhas, coroados, portas-bandeiras, juízes, capitães, alferes, dançantes, acompanhantes, cantadores, caixeiros que, juntos, formam uma Guarda do Congo ou de Moçambique. O Congado não existe sem uma comunidade. Ele é uma manifestação direta do povo. Incorporar esses personagens é motivo de orgulho e demandam grande responsabilidade.
A origem do Congado é múltipla como o país que o fez nascer. É fruto da tradição africana de realização de grandes cortejos aos reis do Congo, juntamente com a tradição portuguesa católica de demonstração de devoção aos seus santos. Numa sociedade marcada pela escravidão, onde inúmeros africanos eram arrancados de sua Terra e de suas raízes e trazidos acorrentados para o Brasil, o Congado representava muito mais que uma mera festividade. Era uma forma dos negros expressarem quem e de onde eram, guardarem sua memória e sua História.
A mistura com a religiosidade católica era uma forma de comunicação com a cultura portuguesa, uma demonstração do dinamismo e criatividade natural das manifestações culturais, além de ser uma forma de sobrevivência. Isso porque o cristianismo, assim como a língua portuguesa, era uma imposição e não uma opção. Aliar-se à religiosidade católica era uma forma de manter viva sua própria tradição.
Nos Congados prestam-se homenagens aos “santos dos pretos” como Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito. Segundo o mito, as Guardas do Congo e de Moçambique se formaram ainda na África, quando uma imagem de Nossa Senhora do Rosário apareceu no mar. O grupo do Congo se dirigiu para a areia e, tocando seus instrumentos, conseguiu fazer com que a imagem se movesse para frente. Então vieram os negros moçambiqueiros, batendo seus tambores, cantando para a Santa e pedindo-lhe que viesse para protegê-los. A imagem veio lentamente para a praia. Há também lendas que relatam o aparecimento da imagem de Nossa Senhora do Rosário no Brasil para os negros escravizados. Esse tema é constantemente narrado nas músicas e relatos dos congadeiros.
Muitos defendem que o Congado chegou às terras mineiras através de Chico Rei, rei africano trazido como escravo para o Brasil no século XVIII. Em Vila Rica (atual Ouro Preto) teria comprado sua alforria e começado a explorar uma mina já desativada. Havia ainda muito ouro, Chico Rei ficou rico e libertou muitos outros negros. Como grande devoto de Nossa Senhora do Rosário, organizou a primeira festa em homenagem à santa em 1747.
As manifestações populares vão muito além da comemoração em si. Elas são fundamentais para preservação da memória coletiva de um povo. Quando as pessoas se encontram para demonstrar sua fé ou simplesmente celebrar de determinada forma estão se reconhecendo como herdeiros de uma cultura própria e comum. Em um país múltiplo e mesclado de etnias e culturas, não há como não nos reconhecermos em manifestações culturais tão puras e legítimas como o Congado. Vale a pena descobri-lo e nos descobrir nele.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti


Bárbaras Mulheres.



Natal é o símbolo máximo da família e me faz lembrar as grandes matriarcas que conseguem reunir em volta de si todos os seus descendentes. Mulheres fortes e guerreiras - muitas vezes de aparência frágil – que agem como verdadeiras leoas ao proteger suas crias e seus ideais. Natal me faz lembrar minha saudosa avó Dalva que como uma estrela nos iluminava com seu amor e sabedoria. Mulheres como ela não defendem apenas os interesses de sua prole, defendem valores e atitudes que nos levariam a construir um mundo muito melhor. São seres humanos raros e, por isso, inesquecíveis!
Muitas mulheres passaram a margem da História Oficial. Sabemos que por muito tempo a História foi escrita por homens que menosprezavam a participação feminina no processo histórico, tornando-as praticamente invisíveis em muitos momentos. É preciso resgatar a história dessas grandes mulheres que, por trás de uma aparente fragilidade e submissão, tiveram participação incontestável e decisiva em momentos importantes de nossa História.
Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira é uma dessas mulheres. Enaltecida em versos de seu marido - o poeta e inconfidente Alvarenga Peixoto - foi muito mais que uma musa. Ousada para sua época, Bárbara foi a primeira poetisa do Brasil, exerceu papel importante nos desdobramentos da Inconfidência Mineira, teve uma filha antes do casamento e, mesmo depois de casada, fez questão de continuar com seu nome de solteira. Após a morte do marido, Bárbara administrou sozinha os negócios da família e cuidou da educação de seus 4 filhos. Sem dúvida era uma mulher admirável!
Bárbara nasceu em São João Del Rei em 1759 e viveu entre a Vila de Campanha da Princesa e São Gonçalo do Sapucaí. Era de uma família tradicional e de grandes posses. Conhecida por sua beleza, cultura e personalidade forte, a jovem Bárbara encantou o Ouvidor recém chegado Inácio de Alvarenga Peixoto. Aos vinte anos, solteira, teve com ele uma filha. Apenas se casaram alguns anos depois e tiveram mais três filhos. Nas freqüentes reuniões em sua casa discutia-se política e literatura e Bárbara participava ativamente das conversas, atitude incomum na época. Parece ter sido a grande incentivadora da participação de Alvarenga na Inconfidência Mineira e, mais tarde, impediu-o de denunciar seus companheiros quando a revolta fracassou e o cerco se fechou. Por isso, é considerada “Heroína da Inconfidência”.
Pela sua participação na Conspiração Mineira, Alvarenga foi preso, degredado para África, teve seus bens confiscados e morreu logo depois em Angola. Aos 35 anos, Bárbara Heliodora ficou viúva, seus bens foram confiscados pela Coroa Portuguesa e precisou criar sozinha seus quatro filhos. Em um de seus poemas demonstrou os valores que procurou transmitir a eles:

“Meninos eu vou dictar
As regras do bem viver
Não basta somente ler
É preciso ponderar
Que a lição não faz saber
Quem faz sábios é o pensar”

Bárbara morreu aos sessenta anos, vítima de tuberculose. Alguns autores afirmam que ficou louca nos últimos anos e que era vista vagando pelas ruas recitando versos. Outros pesquisadores, porém, relatam que a decretação de sua demência foi uma estratégia para escapar das perseguições e do fisco português. Era uma mulher forte e inteligente que usava as armas que tinha para defender os interesses de sua família, sem, contudo, abdicar de seus ideais.

À D. BÁRBARA HELIODORA

Bárbara bela, Do Norte estrela,
Que o meu destino Sabes guiar,
De ti ausente Triste somente
As horas passo A suspirar.

Por entre as penhas De incultas brenhas
Cansa-me a vista De te buscar;
Porém não vejo Mais que o desejo,
Sem esperança De te encontrar.

Eu bem queria A noite e o dia
Sempre contigo Poder passar;
Mas orgulhosa Sorte invejosa,
Desta fortuna Me quer privar.

Tu, entre os braços, Ternos abraços
Da filha amada Podes gozar;
Priva-me a estrela De ti e dela,
Busca dois modos De me matar!

(Poema de Alvarenga Peixoto dedicado à sua esposa, remetido do cárcere da Ilha das Cobras)


Autora: Ana Paula A. Marchesotti

"A arte é a mentira que nos permite conhecer a verdade." Pablo Picasso


Antes mesmo do surgimento da escrita, o homem primitivo já produzia arte. Desde os primórdios dos tempos cercou-se de pinturas (as conhecidas pinturas rupestres), ornamentou seus utensílios (como a maravilhosa cerâmica marajoara), criou danças, músicas, adornos para o corpo e esculturas dos mais diversos materiais (da Vênus de Willendore, escultura austríaca de calcário, à Vênus de Milo, estátua grega em mármore). O ser humano sempre precisou se cercar de arte para viver.
Arte não apenas como a busca do belo _ conceito tão relativo e histórico _ mas, acima de tudo, como uma necessidade de expressão de nossas origens e visões de mundo. Em sua criação, o artista projeta a sua interioridade, o seu saber, as suas intuições, a sua emotividade.
Os objetivos imediatos da sua obra são de todos os tipos: crença em seu poder mágico, adoração religiosa ou política, conquista do parceiro ou do poder no grupo, necessidade de cercar-se de beleza. A riqueza da arte está exatamente na sua capacidade de reunir todas as dimensões humanas - a mística, a emotiva, a racional, a corporal. O tipo de experiência que a arte é capaz de proporcionar é único, e não pode ser substituído por nenhuma outra área do conhecimento humano.
Um homem, um tronco gigantesco, mãos habilidosas e muito talento e inspiração. Esses são os ingredientes básicos para o nascimento de uma obra de arte (no caso, de uma escultura em madeira). È surpreendente ver o que esses ingredientes juntos são capazes de criar! Escrevo esse artigo ainda tomada pela emoção, pois tenho presenciado esse “milagre artístico” acontecer. Tive o privilégio de ver surgir de uma enorme tora de madeira disforme a figura, para mim tão conhecida, de Peter W. Lund.
O homem criador: Celso Vieira. O tronco: um enorme pequizeiro. As mãos habilidosas, o talento e a inspiração: quem conhece os trabalhos, a vida e a sensibilidade desse artista, sabe que ele os tem de sobra.
Celso Vieira resolveu homenagear e resguardar a seu modo a Cultura e História de Lagoa Santa através de uma escultura em tamanho natural de seu personagem histórico mais ilustre. Como matéria-prima escolheu um pequizeiro, árvore de grande significado para nós que vivemos no cerrado e, em especial, para Peter Lund. Foi à sombra dessa árvore que o naturalista escolheu para ser enterrado e, agora, é de uma delas que ele ressurge para tornar mais viva sua história. Quem passa pelo Atelier de Celso Vieira o vê trabalhar retirando lascas de madeira e revelando lentamente a imagem de Peter Lund. Ao presenciar essa cena, lembrei-me de uma frase de Michelangelo Buonarroti: "Eu vi o anjo no mármore e esculpi até que o libertei.” É emocionante!!!
Temos o péssimo hábito de supervalorizar o que está longe de nós no tempo, espaço ou possibilidade de conquista e, assim, não damos o devido valor ao “nosso”, ao que está ao nosso alcance. Quantos conhecem artistas de outras épocas e lugares e não os da sua terra? Quantos visitam museus pelo mundo afora e não conhecem os da própria cidade? (Sabia que existe um museu com obras de Celso Vieira nos fundos de seu Atelier na R. Comendador Victor, 199, Santos Dumont, Lagoa Santa? Não perca a chance de conhecê-lo.)
Passou da hora de conhecermos e valorizarmos o que é nosso: nossa cultura, nossa História e nossa Arte. Por isso, meu amigo Celso Vieira, obrigada por nos presentear com sua excepcional produção artística e por nos ajudar a preservar a História de Lagoa Santa e de Minas Gerais com sua escultura de Peter W. Lund.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti