quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

LAGOA SANTA SOB FOGO CRUZADO



Pessoas enclausuradas dentro de suas casas, inseguras, amedrontadas. O exército ocupando as ruas, balas por todos os lados. Cenas da ocupação do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro? Não. Eu descrevi as ruas de Lagoa Santa há alguns anos atrás.
Quando assistia às imagens das ações de ocupação dos morros cariocas, pensava nas pessoas por trás daquelas janelas e agradecia a tranqüilidade de Lagoa Santa. Foi quando me lembrei que antigos moradores viveram situação semelhante durante a Revolta Liberal de 1842.
O contexto nacional era de contestação. O início do reinado de D Pedro II foi marcado por revoltas e lutas políticas, sobretudo entre Liberais e Conservadores. Esses se divergiam, sobretudo, quanto à autonomia das províncias. Muitas revoltas eclodiram pelo país tendo como pano de fundo essa disputa política. A Revolta de 1842 foi uma delas e teve como palco as províncias de Minas Gerais e São Paulo.
Os liberais, alijados do poder, planejaram um movimento armado que se iniciaria em São Paulo e seria seguido por Minas Gerais. Esperava-se, também, o apoio do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, o que não ocorreu.
Em maio de 1842, os rebeldes paulistas eclodiram o movimento armado, porém a falta de planejamento destes e as ações precisas do comandante das tropas legalistas – Duque de Caxias – derrotaram-os em pouco mais de um mês. Quando a revolta já estava perdida para os paulistas, Minas Gerais entrou em cena.
Em 10 de junho, o liberal José Feliciano foi aclamado novo presidente da província e a governou, paralelamente, de Barbacena e São João Del Rei. Realizou algumas marchas descabidas e lentas que causaram grande desgaste de recursos e tropas; adiou demasiadamente o ataque à capital Ouro Preto e provocou divergências internas, sobretudo com o radical Teófilo Otoni. Mesmo conseguindo importantes vitórias sobre as tropas legalistas, os revoltosos optaram por recuar para Santa Luzia e arredores quando souberam da vinda de Caxias para chefiar as tropas em Minas.
Em 2 de agosto, parte das tropas rebeldes partiram de Santa Luzia em retirada para Lagoa Santa. No dia 3, o Arraial de Nossa Senhora da Saúde de Lagoa Santa estava ocupado pelas tropas insurgentes chefiadas pelo Coronel Luis Eusébio. Sabiam que logo seriam atacados e se entrincheiraram em capões nos arredores e nos quintas de residências. Que dias foram aqueles!
As tropas legalistas eram mais numerosas e equipadas, mas os rebeldes lutaram bravamente. O ataque veio logo e por todos os lados, mas teve como foco a casa de Adriano José de Moura onde estavam o Estado-Maior e as munições. Como relatou um dos rebeldes combatentes, os legalistas “despendiam uma chuva de balas, mas os homens do sertão, entrincheirados como estavam, não davam tiros debalde, e tão terrivelmente repeliam os contrários que cada bala por eles despendida levava consigo uma morte ou uma ferida.”
O combate cessou a noite com a vitória dos rebeldes e apoio da população local. Porém, o Arraial estava cercado, sem notícias das outras colunas rebeldes e com a munição chegando ao fim. Nos dias 5 e 6, as tropas legalistas voltaram a atacar e, desta vez, mais preparadas para o combate. Há relatos que descrevem o momento em que o Coronel Luis Eusébio deu ordem aos rebeldes para se dispersarem pela mata. Bravos combatentes ouviram em prantos tal ordem e se dispersaram deixando Lagoa Santa nas mãos do exército legalista. No dia 6 de agosto, Caxias chegou a Ouro Preto e liderou as ações que derrotaram definitivamente as tropas rebeldes que resistiam em alguns pontos da província. A falta de coordenação e indecisão dos rebeldes facilitaram seu trabalho. Alguns rebeldes fugiram para o Espírito Santo e, posteriormente foram anistiados. Caxias partiu, ainda em 1842, para o Rio Grande do Sul para comandar as tropas contra os farroupilhas.
Lagoa Santa viveu dias de guerra em agosto de 1842: adrenalina, temor, vitória, derrota, bravura, esperança, frustração, morte, insegurança,... Quantos sentimentos fortes e antagônicos marcaram esses dias.
A História registrou a batalha de Lagoa Santa como uma das mais emocionantes da Revolta de 1842, mas lamentavelmente a maior parte dos moradores atuais desconhece esses fatos. Espero estar contribuindo um pouco para mudar isso. Aproveito para agradecer a receptividade e retorno carinhoso que recebi dos leitores ao longo do ano e desejar um feliz natal e um 2011 especial a todos.

Peter W. Lund: um pouco de sua História.

Era quase noite quando, em 17 de outubro de 1835, o dinamarquês Peter W. Lund chegou ao Arraial de Nossa Senhora da Saúde de Lagoa Santa, uma pequena povoação de não mais do que sessenta casas. Lund visitara o lugar um ano antes, mas agora vinha para ficar. Queria uma base permanente para explorar as cavernas que rodeavam a vila. Fascinado pelos recentes achados fósseis, sabia que esse trabalho retardaria em muito seu retorno à Europa, o que nunca aconteceu. Viveu em Lagoa Santa até sua morte, 45 anos depois.
Lund não viera ao Brasil por acaso. Após a vinda da corte portuguesa para a América em 1808, muitos cientistas estrangeiros vieram desbravar a riqueza natural brasileira. Lund - graduado em Medicina e Letras em Copenhague - desembarcou no Novo Mundo em dezembro de 1825, aos 24 anos, para realizar pesquisas no campo da História Natural. Nesta primeira estada no país concentrou-se nos estudos botânicos e zoológicos nos arredores do RJ.
Em 1929, retornou à Europa, publicou obras, inseriu-se na comunidade científica mundial e poderia ter permanecido anos pesquisando a rica coleção que levara do Brasil. Lund, porém, cedeu ao fascínio pelo desconhecido e retornou à América em 1833.
Em solo brasileiro associou-se ao botânico alemão Ludwig Riedel e percorreram diversos estados, coletando e analisando a flora tropical. Em Curvelo(MG), uma surpreendente coincidência mudou os planos de Peter Lund: um outro Peter , um outro dinamarquês cruzou seu caminho – Peter Claussen.
Claussen era fazendeiro na região e apresentou aos cientistas a riqueza fóssil do interior das cavernas mineiras. Apresentou-os também aquele que seria companheiro e auxiliar de Lund por toda a vida: Andreas Brandt. Mais tarde, Lund se separou de Riedel e de Claussen, mas nunca foi capaz de se afastar do solo mineiro.
Morando em Lagoa Santa, Lund explorou cavernas por dez anos, coletando e estudando os fósseis nelas encontrados. Tornou-se merecidamente o “Pai da Paleontologia Brasileira. Não foi o primeiro a relatar a presença de fósseis no Brasil, mas foi o pioneiro no estudo sistemático deles. ”. Aparentemente isolado nos confins de MG, publicou suas conclusões em diversas revistas estrangeiras e manteve-se em permanente contato com a comunidade científica mundial.
Peter Lund realizou importantes estudos sobre a fauna de mamíferos da região do Vale do Rio das Velhas, as peculiaridades de sua população, achados arqueológicos, análises geomorfológicas e pinturas rupestres. Encontrou na Gruta do Sumidouro fósseis humanos na mesma escala geológica e no mesmo estado de fossilização de antigos animais extintos, provando que viveram na mesma época e que a ocupação da América era bastante remota. Ao estudar os fósseis humanos, encontrou características que os diferenciavam da raça mongólica que teria dado origem aos indígenas sul-americanos. Diante disso, Lund propôs que o homem teria coexistido com os gigantescos mamíferos extintos. Concluiu que teria surgido primeiramente na América e, só posteriormente, migrado para a Ásia, onde teria dado origem à raça mongólica – o contrário do que concluem as teorias mais recentes.
Após divulgar conclusões tão polêmicas e inovadoras em sua época, em 1845, Lund encerrou suas atividades exploratórias nas cavernas e enviou sua coleção para Dinamarca (algumas peças, doou ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro). Ao contrário do que era de se esperar, permaneceu em Lagoa Santa até sua morte em 1880.
Peter Lund realizou estudos inovadores, questionou teses mundialmente aceitas em sua época, propôs interpretações que ainda hoje são discutidas pela comunidade científica internacional. Portanto, esse “mineiro” dinamarquês faz jus às diversas citações e homenagens que recebe. A maioria das pessoas, porém, desconhece os motivos de sua fama. Nunca é demais divulgar sua História e atender ao pedido de muitos leitores que sempre me pedem para retomar o tema de minha dissertação de Mestrado.



“[...] É só o que posso fazer, em honra da caverna clássica e do sábio que a indicou ao zelo das novas gerações, cuidando que, no futuro, suas investigações teriam prosseguimento, e que ali se instalaria um mutirão de pesquisadores ávidos de descobrir os enigmas daTterra e do homem.”
Ao Dr. Lund em seu repouso _ Carlos Drummond de Andrade


Autora: Ana Paula A. Marchesotti


Fonte: Revista Condomínios

Rio das Velhas: Rio das Minas Gerais





Os rios sempre foram um marco na História da Humanidade. As primeiras civilizações humanas surgiram às margens de rios como o Tigre, Eufrates, Nilo, Indo e tantos outros. Através dos rios os povos obtinham seus meios de defesa, divisão territorial, alimentação, transporte, comunicação, comércio, energia, irrigação, água potável que os possibilitava sobreviver e desenvolver. Algumas vezes eram também fontes de grandes infortúnios como enchentes e secas devastadoras. Mas havia sempre grande respeito e reverência aos rios. Lendas, músicas e histórias guardam a memória da relação de homens e seus rios. No Brasil não foi diferente: o povoamento deu-se ao longo dos rios e muitas são as histórias que os cercam. Hoje contaremos um pouco de uma delas, a do Rio das Velhas.

“Que grande parte da história de Minas não se terá desenrolado nas margens do Rio das Velhas? E que mundo de segredos não estarão escondidos no fundo de suas águas profundas?" Lúcia Machado de Almeida IN: Passeio a Sabará

O nome Rio das Velhas já carrega consigo uma lenda. A tradição popular diz que o bandeirante paulista Bartolomeu Bueno, ao se aproximar do rio, deparou-se com três velhas índias acocoradas em suas margens nas proximidades de Sabará. O poeta Cláudio Manoel da Costa registrou em um de seus poemas (Égloga Arúncio) esse encontro e atribui ao Governador Antônio de Albuquerque a escolha deste nome.
O Rio das Velhas é o maior afluente do São Francisco e todo o seu curso (cerca de 761 Km) está dentro do território de Minas Gerais. Sua nascente fica em Ouro Preto de onde parte como uma serpente, com grande sinuosidade rumo ao norte do estado.
Parte de seu curso atravessa uma região calcária com características bastante atípicas – o Carste de Lagoa Santa. O rio é alimentado por ribeirões subterrâneos; lagoas surgem e desaparecem “misteriosamente”, como a famosa Lagoa do Sumidouro. Quanta surpresa e lendas esses fatos devem ter gerado...
A tão sonhada e perseguida descoberta de ouro no Brasil ocorreu no vale do Rio das Velhas e dele partiu outras rotas de descobrimento de veios auríferos no vale de diversos afluentes do São Francisco. Às margens do Rio das Velhas surgiram os primeiros povoamentos de Minas Gerais que cresciam a cada dia com a chegada maciça de desbravadores atraídos pela riqueza da mineração. Muitos foram os cientistas e viajantes naturalistas que passaram pela bacia do Rio das Velhas ao longo dos séculos e o descreveram em seus relatos: Rugendas, Richard Burton, Saint Hilaire, Spix e Martius, Peter Lund e outros. Riqueza de uns, miséria de outros. Tributação de uns, contrabando de outros. Sonhos de uns, pesadelos de outros. O Rio das Velhas como testemunha de todos.
Conflitos entre bandeirantes, Guerras e Inconfidências, motins de escravos, criação de Quilombos, exploração por naturalistas estrangeiros, transferência da capital da Antiga Vila Rica (Ouro Preto) para Belo Horizonte, desenvolvimento das cidades e atividades econômicas poluidoras. O Rio das Velhas foi cenário de todas essas Histórias.
Mesmo quando ocorreu o esgotamento da mineração, outras atividades desenvolveram na região, como a pecuária e a agricultura. Junto com estas novas atividades, o processo de ocupação e degradação prosseguiu, sobretudo pelo desmatamento para a formação de pastos e para a implantação de monoculturas
Sempre que passo pelo Rio das Velhas e o vejo ali poluído, desrespeitado e recebendo dejetos que o matam lentamente a cada dia, penso: Que seres são estes que destroem e pagam com a morte aquele que é sua fonte de vida? O que estarão pensando as três velhas índias acocoradas em suas margens sobre nossa atitude “civilizada” frente a nossa grande riqueza natural?

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Imperador do Brasil em Lagoa Santa/MG!!!






“A entrada da povoação foi por entre hastes e ramos de bananeiras, e outras plantas algumas floridas que produzem aprazível efeito” (Diário de D.Pedro II)


Assim o Imperador D. Pedro II descreveu a recepção à sua comitiva na chegada à Lagoa Santa em 7 de abril de 1881. A visita ao então Arraial de Nossa Senhora da Saúde de Lagoa Santa fez parte do trajeto da viagem oficial de D. Pedro II à Província de Minas Gerais. Mas antes de tratar da viagem em si, vamos relembrar um pouco quem foi o Imperador .
D Pedro II foi o segundo e último rei do Brasil. Tornou-se imperador após a renúncia de seu pai, D. Pedro I, e governou o Brasil de 1840 a 1889, quando foi proclamada a República. Foi aclamado Imperador aos 6 anos de idade e assumiu o trono aos 15, após a antecipação da sua maioridade.
Não queremos aqui descrever ou analisar seu longo Reinado. Gostaríamos apenas de ressaltar uma de suas características: D. Pedro II era um intelectual que amava as artes e incentivava as ciências. Esse foi um traço de sua personalidade que guiou muitos de seus atos de governo e que o trouxe a Minas Gerais e Lagoa Santa em 1881.
D. Pedro II criou Museus e Instituições de Pesquisas; financiou trabalhos de artistas e cientistas; fez viagens nacionais e internacionais em busca de conhecimentos históricos, artísticos e científicos. A viagem a Minas Gerais fez parte desta busca do Imperador que assim descreveu as motivações que o moveram:
“Hei de falar-lhe do mais importante da viagem, que promete ser interessante pelo Rio das Velhas, navegável até o São Francisco; mineração de ouro e exame das grutas onde o sábio dinamarquês Dr. Lund, que morreu junto a Lagoa Santa, perto delas descobriu muitos fósseis, entre os quais um crânio humano. Hei também de visitar os lugares dos sucessos da conspiração de Tiradentes e celebrados pelos versos de Gonzaga na sua Marília de Dirceu e de Claudio Manuel da Costa em seu poema de Vila Rica” (Carta de D. Pedro II à Condessa de Barral)
Como se vê, a viagem a Minas teve Lagoa Santa como um dos focos do Imperador e a ciência como norteadora do seu olhar. A viagem pode ser pensada como parte de uma estratégia que conhecer espaços e saberes importantes para o desenvolvimento e modernização do país. Lagoa Santa apresentava-se como um desses espaços por causa da riqueza natural e fóssil de suas cavernas e pelos saberes do naturalista dinamarquês Peter W. Lund (1801-1880) que trabalhou e viveu na cidade por 45 anos.
D. Pedro II sempre se interessou pelas pesquisas de Peter Lund, já que representavam a busca pelas origens da ocupação do território, fundamental para a construção da imagem da Nação que se constituía. Lamentavelmente, o Imperador só concretizou a viagem alguns meses após a morte do cientista, apesar de já estar programada a mais de um ano antes. Foi certamente com tristeza que D. Pedro II recebeu a notícia da morte de Peter Lund em 25 de maio de 1880. Teria sido um encontro memorável!
Mesmo diante desta impossibilidade, o Imperador não retirou Lagoa Santa de seu trajeto de viagem. Ao contrário, enfatizou seu interesse em visitar e conhecer tudo que dissesse respeito ao cientista dinamarquês.
D. Pedro II atravessou as margens do Rio das Velhas na manhã do dia 7 de abril de 1881 e partiu com sua comitiva - em liteiras e cavalos - rumo ao Arraial de Nossa Senhora da Saúde de Lagoa Santa. Foi recebido por autoridades locais e, após o almoço, saiu para conhecer o Arraial. Visitou a casa que pertenceu a Peter Lund, examinou algumas de suas coleções e conversou com seu filho adotivo, Nereu Cecílio dos Santos. Nereu foi educado por Lund, tornou-se um auxiliar em seus trabalhos e foi incluído em seu testamento como herdeiro. O Imperador pediu a ele que redigisse algumas notas sobre o cientista e lhe entregasse juntamente com seu testamento.
Após essa visita, conheceu a escola local e, à tarde, navegou e pescou na lagoa. A noite, conversou com a população local e assistiu a uma apresentação musical de Nereu e sua esposa. Na manhã do dia 8 de abril foi conhecer as cavernas exploradas por Lund, passando por fazendas e engenhos. Conversou com antigos auxiliares do cientista questionando-os sobre seu trabalho, rotina e vida pessoal.
Retornaram a Lagoa Santa no fim da tarde e, após o jantar, registrou suas impressões em seu Diário. No dia 9 de abril, a comitiva de D. Pedro II seguiu viagem para Santa Luzia, mas antes Nereu Cecílio lhe entregou a obra de Peter Lund, alguns livros de sua biblioteca e as anotações e testamento requeridos pelo Imperador. D. Pedro registrou em seu Diário que iria traduzir e publicar toda a obra de Peter Lund, porém só conseguiu realizar em parte seu desejo. Em 1884 e 1885, duas das cinco memórias do cientista foram publicadas nos Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto. As demais só foram publicadas na República.
Em sua breve estada no Arraial de Lagoa Santa o Imperador concentrou-se em tudo que dizia respeito ao paleontólogo Peter Lund. Apesar de morto, Lund esteve bastante presente na passagem do Imperador pela cidade que escolheu para viver e ser enterrado.
Podemos imaginar o que significou para os habitantes do pacato Arraial ver circulando pelas suas ruas o Imperador do Brasil e sua comitiva composta pela Imperatriz, funcionários, ministros e jornalistas do RJ. Foram dias memoráveis que merecem ser lembrados!!!

O marco da origem do povoamento de MG ao nosso alcance!!!



Junho é um mês de grandes comemorações: festa junina, dia dos namorados e, esse ano em particular, Copa do Mundo. Os amantes da natureza, da cultura e da História ganharam mais um motivo para se alegrarem. Dia 13 de junho de 2010 foi entregue à população o complexo de obras do Parque do Sumidouro e a restauração da Casa de Fernão Dias, localizados em Quinta do Sumidouro, Pedro Leopoldo.

O Parque do Sumidouro, além de suas belezas naturais, guarda um grande significado para a História e Ciência Mundial. Em suas cavernas, o naturalista dinamarquês Peter W. Lund(1801-1880) encontrou fósseis que revolucionaram o conhecimento sobre a ocupação humana no Planeta e na América. Em 1843, deparou-se com ossadas humanas na mesma camada geológica de ossadas de animais extintos e percebeu que tinham características morfológicas distintas dos ancestrais dos índios americanos. A partir de seus achados em Sumidouro, Peter Lund concluiu que o homem primitivo coexistiu com a megafauna extinta, que a ocupação humana da América era bem anterior ao que se supunha e que os povos primitivos do Vale do Rio das Velhas assemelhavam-se mais com os africanos e os chamou de “Homem de Lagoa Santa”. Essas eram idéias inovadoras na Ciência Mundial.
A Casa de Fernão Dias é um marco ainda mais remoto da História de Minas Gerais. Trata-se de uma pequena casa na beira da estrada, a cerca de 800 metros do Rio das Velhas. Serviu de pouso temporário para os bandeirantes paulistas que desbravaram as terras mineiras e, anos mais tarde, foi um apoio à mineração que se efetivava no leito do rio das Velhas. Ela representa o começo do processo de formação dos primeiros núcleos urbanos mineiros.
Seu ilustre morador - Fernão Dias Paes (1606-1681) - foi um reconhecido bandeirante paulista que chegou à região por volta de 1674 ao perseguir o sonho de encontrar a Terra das Esmeraldas, a mítica Serra de Sabarabuçu.
Partiu de São Paulo com uma numerosa Bandeira e percorreu vasto território antes de chegar à Quinta do Sumidouro ou, na língua tupi, Anhonhecanhuva (água que some no buraco). No local construiu uma casa e a charmosa capela de Nossa Senhora do Rosário, plantou roças, criou animais e transformou o lugarejo em pouso e abastecimento dos bandeirantes. Chamou-o de Arraial de São João do Sumidouro.
Desde que os portugueses chegaram ao Brasil, Entradas e Bandeiras eram realizadas no interior do país em busca de riquezas minerais e indígenas para serem escravizados. Porém nenhuma delas contribuiu para a ocupação do território mineiro. Na verdade, promoviam o despovoamento na medida em que deslocavam a população nativa para as fazendas ou simplesmente a exterminava em conflitos. Foi a partir da Bandeira de Fernão Dias que se iniciou o povoamento e o surgimento dos primeiros núcleos urbanos em Minas Gerais.
Fernão Dias nunca encontrou suas tão sonhadas esmeraldas. Chegou a acreditar que sim ao se deparar com turmalinas. Enviou ao rei de Portugal amostras desta pedra, mas morreu antes de saber do que realmente se tratava. Seu sonho e sua expedição, porém, foram responsáveis pela descoberta de ouro e início da ocupação do território mineiro. O povoamento efetivo, entretanto, só ocorreu a partir do final do século XVI.
A bucólica Quinta do Sumidouro foi palco de duas mortes históricas. A primeira, do filho de Fernão Dias – José Dias – assassinado pelo próprio pai após participar de uma Insurreição contra ele. Era um momento difícil da Bandeira. O desânimo e a revolta aplacavam o grupo diante da falta de resultado das buscas, constantes baixas sofridas, falta de recursos e dificuldades de abastecimento. Alguns voltavam para a casa, outros tramavam uma revolta contra o líder Fernão Dias. Este foi implacável com os insurgentes e não perdoou o seu filho.
Outro crime ocorreu após a morte de Fernão Dias. Seu genro, Borba Gato, foi acusado de armar uma tocaia contra o Administrador Geral das Minas, D. Rodrigo de Castelo branco, enviado pelo rei. Era uma disputa de poder pelas riquezas recém-descobertas. Por esse crime, Borba Gato fugiu e ocultou-se nas entranhas de Minas Gerais por mais de 10 anos, onde encontrou outros veios auríferos. Mais tarde reapareceu propondo uma negociação com o governo: o arquivamento do seu processo em troca da revelação dos locais onde encontrou jazidas de ouro. Borba Gato não só conseguiu o perdão como também cargo de confiança na administração das minas.
A imagem criada em torno da figura dos Bandeirantes guarda um grande paradoxo. Alguns os vêem como heróis, desbravadores, corajosos, descobridores e povoadores do país. Outros os vêem como bandidos, assassinos de índios, mercenários e cruéis. Certamente são um pouco de tudo isso, mas não podemos julgá-los com os olhos e valores do século XXI.
Numa época em que “Os portugueses andavam como caranguejos, arranhando o litoral.” (Frei Vicente Salvador), os bandeirantes cumpriram um importante papel na ocupação do território brasileiro. No caso de Minas Gerais, o bandeirante Fernão Dias e seus seguidores fizeram a diferença em nossa História. Agora é só fazermos uma pequena viagem até Quinta do Sumidouro para realizarmos uma longa viagem histórica até nossas origens.