domingo, 8 de maio de 2011

Muito além da Inconfidência Mineira...



Sempre que a data comemorativa de Tiradentes - 21 de abril - se aproxima, escuto questionamentos sobre o heroísmo deste inconfidente ou sobre a validade do movimento da Inconfidência Mineira. Na maioria das vezes são comentários marcados pela dicotomia bem/mal que não procuram compreender esses personagens e fatos na sua época.

A Inconfidência Mineira é um movimento que traz em si muitas contradições e dicotomias. Vista por alguns como movimento patriótico, republicano, heroico, marco da identidade nacional; por outros é considerada um movimento elitista, cravado de interesses particulares e divergentes que só se afinavam quanto à resistência aos tributos à Coroa Portuguesa. Dependendo do foco, do recorte ou personagem envolvido, todos tem certa razão.

A forma como enfatizamos e interpretamos a Inconfidência Mineira ao longo do tempo nos diz muito sobre ela e sobre nós mesmos. Pois, como dizia Walter Benjamin, “ um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois.”

Durante o Período Imperial, A inconfidência Mineira era um tema proibido e perigoso, seus heróis eram considerados traidores. Afinal, o Brasil era governado por descendentes de D. Maria I, Rainha de Portugal que condenou os inconfidentes na época em que o Brasil ainda era uma colônia dos portugueses. Apenas nos últimos anos do Império, quando a ideia de República começava a ganhar força, a memória histórica do movimento foi resgatada e seus participantes foram ganhando ares de heróis.

Num canto esquecido da Secretaria de Estado do Império foram descobertos os Autos da Devassa: documento oficial com os depoimentos dos indiciados pela participação na Inconfidência. Fonte privilegiada para conhecimento da Inconfidência Mineira. Ainda hoje, historiadores debruçam-se sobre os Autos da Devassa procurando compreender esse rico movimento que ecoou das Minas Gerais no final do século XVIII.

Foi com a chegada da República (1889) que a Inconfidência Mineira foi resgatada do imaginário popular e seus personagens transformados em figuras míticas da nossa História Política. É sempre bom lembrarmos que Mitos costumam dizer mais sobre a História que os criou do que sobre si mesmos.

A República precisava de um mito fundador e a Inconfidência serviu bem a esse propósito por seus elementos dramáticos e seus ideais republicanos, apesar de não tão arraigados e unânimes entre seus participantes como se pressupunha. É fato que nem todos os inconfidentes eram a favor da Republica ou da Abolição da Escravatura, mas o simples fato desses temas terem sido discutidos e pautados na conspiração já diz muito.

A República foi a responsável, quase um século depois, pela mitificação de Tiradentes. Os republicanos ressaltaram o aspecto religioso do mito (Tiradentes com imagem de Cristo e resignado ao sacrifício), apesar da Inconfidência não ter sido um movimento religioso como muitos outros no Império. Desde então os heróis nacionais nascem com uma aura religiosa, com a missão de salvar a Pátria. Até quando procuraremos, esperaremos ou elegeremos “salvadores da Pátria”?

Mais importante do que polemizar se a Inconfidência foi um movimento idealista ou materialista; se Tiradentes foi o líder ou simplesmente o bode expiatório é refletirmos sobre o significado do movimento na sua época e ao longo da História.

O fato de alguns homens de idades e formações variadas se reunirem para debater a situação do país, sonharem e planejarem alternativas, polemizarem questões em pauta pelo mundo (como República e Abolição), proporem ações concretas de resistência às deliberações superiores que julgavam injustas tem, no meu ponto de vista, uma relevância enorme. Quantos de nós temos essa disponibilidade e iniciativa? Ao lembrarmos que fazer isso no Período Colonial era também muito arriscado, ficamos ainda mais admirados.

Os inconfidentes foram homens que – movidos por ideais ou interesses particulares – saíram da “zona de conforto” e fizeram diferença em sua época propondo algo novo e que consideravam mais justo. Essa é a imagem da Inconfidência Mineira que gosto de recuperar quando se comemora o dia de Tiradentes e, assim, poder inspirar novos inconfidentes.