domingo, 19 de maio de 2013

Que o Homem Francisco de Assis inspire o "Santo Padre" Francisco.






Vista da cidade de Assis

Não escolhemos nossos nomes ao nascermos, nossas famílias o fazem por nós. Os Papas têm esse poder de escolha ao serem eleitos pelo Conclave Papal para essa função. No dia 13 de março de 2013, o Cardeal Argentino Jorge Mario Bergoglio escolheu o nome Francisco para acompanhá-lo em sua missão religiosa como Papa. Esse nome é muito significativo e carrega consigo a História excepcional de um homem simples que ficou conhecido como São Francisco de Assis.

Antes de Santo, Francisco de Assis foi um homem com uma trajetória ímpar, que nos deixou belas mensagens e um exemplo de vida admirável. Francisco Bernardone nasceu em Assis (Itália) em 1181 /1182 e viveu um momento de intensas lutas sociais e políticas. Filho de comerciante de tecidos, Francisco estava próximo das camadas populares pelo nascimento, mas identificava-se com a nobreza devido à fortuna familiar. Teve infância e juventude típicas dos jovens de sua época, imitando o estilo de vida dos nobres com divertimentos como jogos, ócio, canções, poesias, guerras. Seus biógrafos relatam visões e experiências espirituais que o teriam levado à Conversão e à mudança radical de sua vida.

Francisco renunciou ao dinheiro e aos bens materiais, rompeu com a família e foi tratado como louco pela população. Após hesitações humanas, Francisco definiu seu caminho. Com cerca de 26 anos, tornou-se um missionário e fez nascer os franciscanos que percorriam estradas, aldeias e cidades pregando e cuidando dos pobres e doentes. Sua conduta anticonsumista radical, defensor da natureza e todas as suas criaturas, da simplicidade, da alegria, da igualdade e da vida comunitária causava muito estranhamento e resistência. Os franciscanos eram considerados loucos que - em um momento de grande desenvolvimento medieval - pregavam o desapego aos bens materiais e o respeito a todos os elementos e seres da natureza como irmãos.

Francisco decide, então, procurar o Papa a fim de obter aprovação oficial aos seus hábitos e direcionamentos religiosos, o que obteve apenas parcialmente. Havia uma desconfiança papal quanto aos estranhos franciscanos e, por pouco, estes não foram considerados hereges e expulsos da Igreja. Quem diria que séculos mais tarde um Papa escolheria seu nome e pregaria alguns de seus hábitos de simplicidade e atenção aos mais pobres?

Após anos de pregações, caridade e exemplo de vida simples e alegre em comunidade e sintonia com as criaturas da natureza, Francisco de Assis morreu em 1226 com o agravamento de doenças que o perseguiram por toda a vida (problemas de visão e no sistema digestivo). Santa Clara – rica jovem de Assis que, comovida com as palavras de Francisco, fugiu de casa e se uniu a ele na pregação a uma vida mais simples e de caridade – cuidou dele em seu padecimento final. Em torno de Francisco moribundo criou-se uma vigília de cobiça por seu santo cadáver e uma guarda armada o protegeu em seus últimos dias de vida. Rapidamente a Igreja o canonizou para encerrar as controvérsias sobre esse inquietante e irreverente Santo.

Francisco de Assis foi um homem revolucionário. Pregava novidades em um tempo em que a Tradição era um valor essencial. O Cristianismo de sua época era carregado por imagens do Diabo, do pecado, das penitências, dos castigos, da tristeza. Francisco apresentou um Cristianismo alegre, leve, humano, piedoso, baseado no amor, na igualdade, na liberdade de espírito e em Deus presente em todas as coisas e seres por Ele criados. O homem histórico Francisco de Assis pregou o Novo e o Moderno através das palavras e do exemplo. Assim esperamos que faça também o Papa que escolheu seu nome.

Ana Paula Marchesotti PUBLICADO NA REVISTA BEM DE VIDA, N. 39, ABRIL/ MAIO 2013.



Túmulo de Francisco de Assis.

O filho de Peter W Lund.





O interesse pela vida privada das ditas “celebridades” é uma marca do mundo contemporâneo. O cientista dinamarquês Peter W Lund, com sua personalidade excêntrica, metódica e pacata, não escapou aos questionamentos sobre sua vida amorosa e familiar.

A vida privada de Peter Lund - diferentemente de sua trajetória profissional - não foi marcada por grandes aventuras, surpresas e emoções. Lund nunca se casou, nem teve envolvimentos amorosos comprovados historicamente. Alguns biógrafos citam um romance com uma italiana durante sua permanência na Europa entre sua primeira e segunda viagem ao Brasil. Outros citam um envolvimento com as filhas do Tenente Américo Coutinho da Fonseca, próspero comerciante de Lagoa Santa.

Quanto à italiana, seu filho Nereo relatou que “Lund amou uma vez na vida, e teve desejos de se casar. Mas o amor de jovem e gentil italiana que conheceu quando viajava pela Itália, não foi forte bastante para se apossar do coração do sábio, que só pulsava pela ciência”. Não há registros de encontros ou correspondências entre Lund e sua paixão italiana.

Quanto às jovens filhas do Tenente Américo, há uma história que sobreviveu no imaginário popular. Lund teria dado aulas de piano para as três Moças - como ficaram conhecidas por nunca terem se casado. Essas teriam se apaixonado pelo dinamarquês, mas não foram correspondidas. Há uma impossibilidade prática para esse ocorrido, demonstrada por uma simples verificação documental. A mais velha das Moças - Ana Ursulina - nasceu em 21/10/1862, Flávia Domitila em 27/08/1867 e a mais nova – Maria América – em 15/10/1868. Lund já passava, portanto, da casa dos 60 anos. Houve uma convivência com a família, mas um envolvimento amoroso com as jovens era improvável.

Peter Lund não teve filhos, mas educou Nereo Cecílio dos Santos - filho de um vizinho e colaborador, Luís Cecílio - como se assim o fosse. Como nos relata o próprio Nereo, “quando fui para a companhia de Lundo tinha 12 anos de idade e o acompanhei até exalar o último suspiro, sentado à sua cabeceira, pranteando-lhe o desaparecimento.”

Lund assumiu a formação de Nereo, dando-lhe uma educação refinada que incluía vários idiomas, música, literatura e noções de História Natural. Inicialmente, pretendia enviá-lo à Europa, mas desistiu da ideia diante da resistência do garoto em se afastar da mãe. Pensou em mandá-lo ao Rio de Janeiro, mas resolveu ele mesmo assumir sua educação, pois como relatou: “me foi dada pessoalmente a oportunidade de guiar sua educação. Isso foi-me preferível por motivos morais. O Rio de Janeiro não prima como uma cidade modelo por esse ponto de vista. Também sua educação literária e científica poderia ser mais bem orientada por mim, e isso parecia-me mais importante que sua educação musical.” (Carta de Lund aos irmãos.1875)

Mais tarde, Nereo tornou-se um dos auxiliares de Lund e, quando este faleceu, foi beneficiado no testamento com bens e uma pensão vitalícia que foi estendida à sua esposa. Em carta aos seus familiares, Lund justificou sua doação a Nereo: “Até agora ele tem admirado a mim como faria a um pai. Portanto, eu penso que me deveria ser permitido cuidar dele, baseado na sua devoção filial. [...] Como as duas ocupações que ele tem aqui dão muito pouco dinheiro, ele estará em uma situação muito triste quando eu morrer. Devido à relação especial em que Deus me colocou frente a esse jovem, vocês hão de entender, sinto-me na obrigação moral de prover seu futuro bem-estar no caso de minha morte. Eu não seria capaz de descansar em paz sem isso”.

Quando o Imperador D. Pedro II visitou Lagoa Santa em 1881, Nereo o recebeu na antiga casa de Lund, como seu filho. Conversaram sobre o naturalista e fez uma apresentação musical para a comitiva real. Anos depois, Nereo escreveu uma biografia sobre seu pai adotivo (O Naturalista, Imprensa Oficial, 1923).

Posteriormente, mudou-se para Curvelo e Belo Horizonte, mas a imprensa de Lagoa Santa fez vários registros de suas visitas à cidade. Faleceu em 1922 e foi enterrado em jazido no cemitério do Bonfim.

O filho de Lund não teve uma vida brilhante e próspera como desejava seu pai, mas certamente teve uma trajetória bem diferente da que teria se não tivesse cruzado o caminho do naturalista dinamarquês. A vida de Lund, certamente, teria sido mais solitária e menos estimulante sem a presença de Nereo Cecílio.

Ana Paula Almeida Marchesotti PUBLICADO NA REVISTA BEM DE VIDA, N. 36, OUT/NOV 2012, P. 10.

Santa Casa de Misericórdia: História e desafios.





Quando tecemos elogios, críticas ou utilizamos os serviços da Santa Casa de Misericórdia não temos consciência da amplitude, princípios e natureza das ações da instituição, nem sequer de suas remotas origens históricas. Essas instituições existem há séculos e sempre exerceram um papel importante em nossa sociedade.

Existem várias Santas Casas de Misericórdia espalhadas pelo Brasil e todas têm uma origem comum: a Santa Casa de Lisboa fundada em 1498. Em sua essência, têm como princípio a prática das obras da Misericórdia compiladas por Tomás de Aquino no século XII: Dar de comer a quem tem fome; Dar de beber a quem tem sede; Vestir os nus; Visitar os doentes e presos; Dar abrigo a todos os viajantes; Resgatar os cativos; Enterrar os mortos. Portanto, as Santas Casas sempre foram muito mais do que hospitais...

No Brasil, a primeira Santa Casa de Misericórdia foi criada em Olinda (1539) e, até a Independência, mais dezesseis foram implementadas. Tinham como objetivo atender à população carente, cuidando dos enfermos em seus hospitais, alimentando os famintos, sepultando os mortos, educando os enjeitados em seus orfanatos e acolhendo os recém-nascidos abandonados na Roda dos Expostos.

A Roda dos Expostos era fixada ao muro do hospital da Santa Casa, na qual era depositada a criança indesejada. Ao girar a roda, era conduzida para dentro, sem que a identidade de quem ali a colocasse fosse revelada. As crianças eram acolhidas e educadas pela instituição. As Rodas dos Expostos foram abolidas pelo Código de Menores de 1927.

Durante o Império, as Santas Casas acompanharam algumas mudanças da sociedade e o foco passou a ser o cuidado com os enfermos e amparo à infância desvalida. Foi uma resposta ao cenário epidemiológico criado pelas epidemias do século XIX, que resultou no aumento de órfãos, mendigos e doentes.

Com a República vieram doenças como varíola e tuberculose, epidemias abrangentes que assolavam não só aos pobres, mas toda população. Nesta conjuntura, as Santas Casas, sozinhas, já não conseguiam dar resposta às crescentes necessidades da Saúde. Ao seu lado, começaram a surgir instituições puramente estatais de assistência médica. Na verdade, desde o período colonial há registros de conflitos entre as Santas Casas e os municípios, pois esses se isentavam de suas obrigações, sobrecarregando as estruturas das Santas Casas.

A legislação brasileira – diante da precariedade e insuficiência de unidades hospitalares – permite que instituições particulares sem fins lucrativos atendam uma parte do público do SUS. Este é o caso das Santas Casas de Misericórdia: instituições particulares, laicas e filantrópicas, que em muitos municípios brasileiros garantem o serviço de saúde da população através de seus hospitais.

A fonte de renda das Santas Casas de Misericórdia vinha inicialmente das doações e esmolas. A partir do século XIX essas entraram em decadência e outras surgiram: festas filantrópicas, recursos de loterias, convênios e subvenções estatais. Ao mesmo tempo, as ações voltadas para a assistência médica foram crescendo em detrimento do incremento das demais atividades.

A Santa Casa de Misericórdia de Lagoa Santa iniciou suas atividades em 2001. A demanda da cidade por um hospital era latente, assim como a impossibilidade da Prefeitura construí-lo e mantê-lo. A alternativa foi a criação de instituição privada sem fins lucrativos que pudesse efetivamente prestar esse serviço à população. Desde então, a Santa Casa focou suas atividades no atendimento hospitalar, apesar de seu Estatuto permitir outros campos de atuação.

Uma bela trajetória institucional tem sido traçada desde então, apesar dos percalços do caminho. Porém, equívocos provocados pelo desconhecimento da população são constantes. Muito se exige dessa instituição, mas sem compreensão de sua real função e responsabilidade. Por exemplo, alguns acreditam que a Santa Casa pertence à Prefeitura ou é mantida por ela; outros que o Pronto Socorro é de responsabilidade da Santa Casa. É necessário compreender que a Santa Casa de Lagoa Santa é uma entidade filantrópica administrada por voluntários e que se mantem através de convênios e parcerias. O Pronto Atendimento é de responsabilidade da Prefeitura e funciona na Santa Casa em forma de parceria.
Portanto, precisamos conhecer a história, a trajetória, os objetivos, atividades e funcionamento da nossa Santa Casa para demandarmos dela o que ela pode e deve nos oferecer com qualidade. Ao mesmo tempo, precisamos cobrar do Poder Público o que é sua responsabilidade constitucional. Mas, sobretudo, não podemos nos eximir de nossas responsabilidades cidadãs de reivindicar, fiscalizar e contribuir para que tenhamos um atendimento de qualidade. O conhecimento leva à compreensão e esta à ação necessária para a transformação da realidade.

Ana Paula Almeida Marchesotti PUBLICADO NA REVISTA BEM DE VIDA, N 38, FEV/MAR 2013, P. 10.

Eleições: algumas reflexões necessárias.



Casos de corrupção ocupam as manchetes da imprensa e a impunidade nos causa grande indignação. Porém, não podemos deixar que esse sentimento nos leve à apatia e à rejeição ao processo democrático, sobretudo com a proximidade das eleições municipais.

Pensei em escrever algumas reflexões a esse respeito e me lembrei de que há alguns anos atrás escrevi um artigo sobre esse tema na Revista Condomínios (n. 5, julho/2007). Ao lê-lo percebi que estava em plena sintonia com nossa realidade de 2012 e com o que desejava escrever. Resolvi, então, republicá-lo com algumas adaptações. Aí vai: É comum escutarmos pessoas afirmando que o Brasil não tem futuro ou que vão anular seu voto, pois todo político é corrupto e nada muda no país. Compreendo esses discursos, no entanto, sou obrigada a discordar de seus pressupostos. Ao longo da História, tivemos avanços e retrocessos no processo de construção de nossa cidadania e ainda temos uma extensa estrada a percorrer. Vamos desistir agora?

O Brasil tem quase 200 anos de história eleitoral e quantas mudanças ocorreram nesses anos! A cédula e o processo eleitoral, o direito ao voto e ao mandato político, a certeza da impunidade... As coisas mudaram muito por aqui a partir da luta de muitos brasileiros. Convido-os a conhecer ou relembrar um pouco dessa História.

A urna eletrônica faz parte do nosso dia-a-dia e poucos duvidam da legitimidade do processo eleitoral brasileiro. As cédulas de nossas primeiras eleições – ainda no Império - eram manuscritas, assinadas e levadas ao local de votação já preenchidas. As eleições ocorriam, após as missas, nas paróquias de cada localidade e aqueles que teriam direito ao voto eram identificados naquele momento por um juiz de paz. Não havia alistamento prévio, nem qualquer fiscalização no processo eleitoral. Portanto, as fraudes eram habituais e a impunidade, sequer questionada.

Mais tarde, as cédulas deixaram de ser assinadas e o voto passou a ser secreto; instituiu-se o alistamento prévio (1842); foram criados títulos de eleitor qualificando aqueles que tinham direito ao voto (1875) e “cédulas oficiais” entregues no momento da votação (1955). O processo eleitoral obteve avanços, porém permanecia controlado pela aristocracia rural brasileira (“voto de cabresto”) e marcado pelas fraudes e impunidade.

Se atualmente as pessoas têm abdicado de seu direito ao voto ou questionado sua obrigatoriedade, num passado muito recente a reivindicação era pela ampliação desse direito.

Durante todo o Império só os homens, maiores de 25 anos ( 21 anos, se casados), alfabetizados (lembre-se que o voto era assinado) e com uma renda anual de 100 mil réis podiam votar . Em 1889, a República acabou com essa exigência de renda e diminuiu a idade mínima para 21 anos, entretanto, os analfabetos e mulheres permaneceram excluídos de seu direito. As mulheres só o ganharam em 1932 e os analfabetos, em 1985. O voto facultativo para jovens de 16 e 17 anos foi introduzido em 1988.

Hoje temos no Brasil o voto universal e secreto: todos com idade acima de 16 anos. Independente de sexo, credo, cor, classe social, têm seu direito garantido por lei. Quantos reivindicaram, lutaram e até foram punidos para que conquistássemos o direito de escolher nossos governantes? Nada nos foi concedido pela benevolência da elite brasileira. Se atualmente há eleições democráticas e legítimas, devemos aos “guerreiros” brasileiros que sonharam com um país melhor e não se conformaram com a realidade que viviam.

Sei que vocês devem estar pensando: “Tudo bem...muitas coisas mudaram. Mas e a impunidade? Essa continua aí a nos indignar.” Concordo, apesar de reconhecer os avanços também nesta questão. Há alguns anos atrás, os crimes cometidos pela elite sequer eram investigados e, muito menos, divulgados. Construímos no país uma Polícia Federal ativa e autônoma; uma imprensa investigativa e dotada de liberdade de expressão; uma legislação que nos abriu algumas possibilidades de punição, apesar de extremamente insuficientes. Avançamos, mas não o bastante.

A impunidade – assim como a corrupção - precisa ser combatida. Esse é um dos desafios de nossa época. Impossível? Quantas coisas consideradas impossíveis já foram conquistadas? É fundamental lembrarmos a todo o momento que somos os agentes de nossa História e que, portanto, precisamos sair do âmbito das reclamações para o das ações.

Ana Paula Almeida Marchesotti PUBLICADO NA REVISTA BEM DE VIDA, N.35 - AGO/SET 2012, P.10.