terça-feira, 2 de março de 2010

“O CONGADO É NOSSO!!!”



A riqueza cultural brasileira é inquestionável, mas ainda nos surpreende. Quanta diversidade! Quantas raízes históricas e culturais expostas em manifestações, ritos e festividades por toda parte! Que país maravilhoso é o Brasil.
O Carnaval é nossa festa popular mais famosa, porém é também a mais massificada. Fico feliz quando ainda vejo comemorações carnavalescas genuínas (Parabéns Bougasamba!), mas infelizmente essas são cada vez mais raras.
Outras festas populares conseguiram manter-se mais fiéis às suas raízes e sua identidade. Mas como estão fora da mídia e do turismo comercial são pouco conhecidas e apreciadas. É o caso do Congado ou Reisado: manifestação cultural caracterizada por Mário de Andrade como um “teatro musical”. Definição brilhante, pois o que vemos nos Congados são grandes bailados dramáticos, regados a música, religiosidade e História.
A comunidade incorpora os personagens de reis, rainhas, coroados, portas-bandeiras, juízes, capitães, alferes, dançantes, acompanhantes, cantadores, caixeiros que, juntos, formam uma Guarda do Congo ou de Moçambique. O Congado não existe sem uma comunidade. Ele é uma manifestação direta do povo. Incorporar esses personagens é motivo de orgulho e demandam grande responsabilidade.
A origem do Congado é múltipla como o país que o fez nascer. É fruto da tradição africana de realização de grandes cortejos aos reis do Congo, juntamente com a tradição portuguesa católica de demonstração de devoção aos seus santos. Numa sociedade marcada pela escravidão, onde inúmeros africanos eram arrancados de sua Terra e de suas raízes e trazidos acorrentados para o Brasil, o Congado representava muito mais que uma mera festividade. Era uma forma dos negros expressarem quem e de onde eram, guardarem sua memória e sua História.
A mistura com a religiosidade católica era uma forma de comunicação com a cultura portuguesa, uma demonstração do dinamismo e criatividade natural das manifestações culturais, além de ser uma forma de sobrevivência. Isso porque o cristianismo, assim como a língua portuguesa, era uma imposição e não uma opção. Aliar-se à religiosidade católica era uma forma de manter viva sua própria tradição.
Nos Congados prestam-se homenagens aos “santos dos pretos” como Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito. Segundo o mito, as Guardas do Congo e de Moçambique se formaram ainda na África, quando uma imagem de Nossa Senhora do Rosário apareceu no mar. O grupo do Congo se dirigiu para a areia e, tocando seus instrumentos, conseguiu fazer com que a imagem se movesse para frente. Então vieram os negros moçambiqueiros, batendo seus tambores, cantando para a Santa e pedindo-lhe que viesse para protegê-los. A imagem veio lentamente para a praia. Há também lendas que relatam o aparecimento da imagem de Nossa Senhora do Rosário no Brasil para os negros escravizados. Esse tema é constantemente narrado nas músicas e relatos dos congadeiros.
Muitos defendem que o Congado chegou às terras mineiras através de Chico Rei, rei africano trazido como escravo para o Brasil no século XVIII. Em Vila Rica (atual Ouro Preto) teria comprado sua alforria e começado a explorar uma mina já desativada. Havia ainda muito ouro, Chico Rei ficou rico e libertou muitos outros negros. Como grande devoto de Nossa Senhora do Rosário, organizou a primeira festa em homenagem à santa em 1747.
As manifestações populares vão muito além da comemoração em si. Elas são fundamentais para preservação da memória coletiva de um povo. Quando as pessoas se encontram para demonstrar sua fé ou simplesmente celebrar de determinada forma estão se reconhecendo como herdeiros de uma cultura própria e comum. Em um país múltiplo e mesclado de etnias e culturas, não há como não nos reconhecermos em manifestações culturais tão puras e legítimas como o Congado. Vale a pena descobri-lo e nos descobrir nele.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti


Bárbaras Mulheres.



Natal é o símbolo máximo da família e me faz lembrar as grandes matriarcas que conseguem reunir em volta de si todos os seus descendentes. Mulheres fortes e guerreiras - muitas vezes de aparência frágil – que agem como verdadeiras leoas ao proteger suas crias e seus ideais. Natal me faz lembrar minha saudosa avó Dalva que como uma estrela nos iluminava com seu amor e sabedoria. Mulheres como ela não defendem apenas os interesses de sua prole, defendem valores e atitudes que nos levariam a construir um mundo muito melhor. São seres humanos raros e, por isso, inesquecíveis!
Muitas mulheres passaram a margem da História Oficial. Sabemos que por muito tempo a História foi escrita por homens que menosprezavam a participação feminina no processo histórico, tornando-as praticamente invisíveis em muitos momentos. É preciso resgatar a história dessas grandes mulheres que, por trás de uma aparente fragilidade e submissão, tiveram participação incontestável e decisiva em momentos importantes de nossa História.
Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira é uma dessas mulheres. Enaltecida em versos de seu marido - o poeta e inconfidente Alvarenga Peixoto - foi muito mais que uma musa. Ousada para sua época, Bárbara foi a primeira poetisa do Brasil, exerceu papel importante nos desdobramentos da Inconfidência Mineira, teve uma filha antes do casamento e, mesmo depois de casada, fez questão de continuar com seu nome de solteira. Após a morte do marido, Bárbara administrou sozinha os negócios da família e cuidou da educação de seus 4 filhos. Sem dúvida era uma mulher admirável!
Bárbara nasceu em São João Del Rei em 1759 e viveu entre a Vila de Campanha da Princesa e São Gonçalo do Sapucaí. Era de uma família tradicional e de grandes posses. Conhecida por sua beleza, cultura e personalidade forte, a jovem Bárbara encantou o Ouvidor recém chegado Inácio de Alvarenga Peixoto. Aos vinte anos, solteira, teve com ele uma filha. Apenas se casaram alguns anos depois e tiveram mais três filhos. Nas freqüentes reuniões em sua casa discutia-se política e literatura e Bárbara participava ativamente das conversas, atitude incomum na época. Parece ter sido a grande incentivadora da participação de Alvarenga na Inconfidência Mineira e, mais tarde, impediu-o de denunciar seus companheiros quando a revolta fracassou e o cerco se fechou. Por isso, é considerada “Heroína da Inconfidência”.
Pela sua participação na Conspiração Mineira, Alvarenga foi preso, degredado para África, teve seus bens confiscados e morreu logo depois em Angola. Aos 35 anos, Bárbara Heliodora ficou viúva, seus bens foram confiscados pela Coroa Portuguesa e precisou criar sozinha seus quatro filhos. Em um de seus poemas demonstrou os valores que procurou transmitir a eles:

“Meninos eu vou dictar
As regras do bem viver
Não basta somente ler
É preciso ponderar
Que a lição não faz saber
Quem faz sábios é o pensar”

Bárbara morreu aos sessenta anos, vítima de tuberculose. Alguns autores afirmam que ficou louca nos últimos anos e que era vista vagando pelas ruas recitando versos. Outros pesquisadores, porém, relatam que a decretação de sua demência foi uma estratégia para escapar das perseguições e do fisco português. Era uma mulher forte e inteligente que usava as armas que tinha para defender os interesses de sua família, sem, contudo, abdicar de seus ideais.

À D. BÁRBARA HELIODORA

Bárbara bela, Do Norte estrela,
Que o meu destino Sabes guiar,
De ti ausente Triste somente
As horas passo A suspirar.

Por entre as penhas De incultas brenhas
Cansa-me a vista De te buscar;
Porém não vejo Mais que o desejo,
Sem esperança De te encontrar.

Eu bem queria A noite e o dia
Sempre contigo Poder passar;
Mas orgulhosa Sorte invejosa,
Desta fortuna Me quer privar.

Tu, entre os braços, Ternos abraços
Da filha amada Podes gozar;
Priva-me a estrela De ti e dela,
Busca dois modos De me matar!

(Poema de Alvarenga Peixoto dedicado à sua esposa, remetido do cárcere da Ilha das Cobras)


Autora: Ana Paula A. Marchesotti

"A arte é a mentira que nos permite conhecer a verdade." Pablo Picasso


Antes mesmo do surgimento da escrita, o homem primitivo já produzia arte. Desde os primórdios dos tempos cercou-se de pinturas (as conhecidas pinturas rupestres), ornamentou seus utensílios (como a maravilhosa cerâmica marajoara), criou danças, músicas, adornos para o corpo e esculturas dos mais diversos materiais (da Vênus de Willendore, escultura austríaca de calcário, à Vênus de Milo, estátua grega em mármore). O ser humano sempre precisou se cercar de arte para viver.
Arte não apenas como a busca do belo _ conceito tão relativo e histórico _ mas, acima de tudo, como uma necessidade de expressão de nossas origens e visões de mundo. Em sua criação, o artista projeta a sua interioridade, o seu saber, as suas intuições, a sua emotividade.
Os objetivos imediatos da sua obra são de todos os tipos: crença em seu poder mágico, adoração religiosa ou política, conquista do parceiro ou do poder no grupo, necessidade de cercar-se de beleza. A riqueza da arte está exatamente na sua capacidade de reunir todas as dimensões humanas - a mística, a emotiva, a racional, a corporal. O tipo de experiência que a arte é capaz de proporcionar é único, e não pode ser substituído por nenhuma outra área do conhecimento humano.
Um homem, um tronco gigantesco, mãos habilidosas e muito talento e inspiração. Esses são os ingredientes básicos para o nascimento de uma obra de arte (no caso, de uma escultura em madeira). È surpreendente ver o que esses ingredientes juntos são capazes de criar! Escrevo esse artigo ainda tomada pela emoção, pois tenho presenciado esse “milagre artístico” acontecer. Tive o privilégio de ver surgir de uma enorme tora de madeira disforme a figura, para mim tão conhecida, de Peter W. Lund.
O homem criador: Celso Vieira. O tronco: um enorme pequizeiro. As mãos habilidosas, o talento e a inspiração: quem conhece os trabalhos, a vida e a sensibilidade desse artista, sabe que ele os tem de sobra.
Celso Vieira resolveu homenagear e resguardar a seu modo a Cultura e História de Lagoa Santa através de uma escultura em tamanho natural de seu personagem histórico mais ilustre. Como matéria-prima escolheu um pequizeiro, árvore de grande significado para nós que vivemos no cerrado e, em especial, para Peter Lund. Foi à sombra dessa árvore que o naturalista escolheu para ser enterrado e, agora, é de uma delas que ele ressurge para tornar mais viva sua história. Quem passa pelo Atelier de Celso Vieira o vê trabalhar retirando lascas de madeira e revelando lentamente a imagem de Peter Lund. Ao presenciar essa cena, lembrei-me de uma frase de Michelangelo Buonarroti: "Eu vi o anjo no mármore e esculpi até que o libertei.” É emocionante!!!
Temos o péssimo hábito de supervalorizar o que está longe de nós no tempo, espaço ou possibilidade de conquista e, assim, não damos o devido valor ao “nosso”, ao que está ao nosso alcance. Quantos conhecem artistas de outras épocas e lugares e não os da sua terra? Quantos visitam museus pelo mundo afora e não conhecem os da própria cidade? (Sabia que existe um museu com obras de Celso Vieira nos fundos de seu Atelier na R. Comendador Victor, 199, Santos Dumont, Lagoa Santa? Não perca a chance de conhecê-lo.)
Passou da hora de conhecermos e valorizarmos o que é nosso: nossa cultura, nossa História e nossa Arte. Por isso, meu amigo Celso Vieira, obrigada por nos presentear com sua excepcional produção artística e por nos ajudar a preservar a História de Lagoa Santa e de Minas Gerais com sua escultura de Peter W. Lund.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti

sábado, 4 de julho de 2009

De Ícaro a Dumont.



A overdose de notícias e análises técnicas sobre o acidente aéreo da Air France provocou grande comoção internacional e aumentou, em muitos, o pânico de voar. Apesar de conhecerem as estatísticas que provam que o risco de morte é muito maior em veículos automotores, muitas pessoas ainda acham que voar não é coisa para os homens. Afinal não nascemos com asas... Isso me fez lembrar os pioneiros que ousaram questionar a natureza humana e dedicaram sua vida ao sonho de voar.
A mitologia grega eternizou o sonho e a imprudência de Ícaro. Filho do artista e inventor ateniense Dédalo, Ícaro vivia com seu pai na ilha de Creta. Ambos eram prisioneiros no labirinto do temido Minotauro. Dédalo, então, fabricou asas artificiais adaptando suas espátulas e utilizando cera para que pudessem fugir da ilha pelos ares. Antes que partissem, instruiu o filho para que não voasse alto, pois não poderiam se aproximar demasiadamente do sol. Ícaro, porém, esqueceu-se das recomendações paternas e voou cada vez mais alto. O sonho de navegar pelos ares foi mais forte que a prudência recomendada. A cera das asas derreteu, ele caiu e se afogou no Mar Egeu.
Trata-se de uma entre tantas tragédias gregas, mas que demonstra como o ser humano busca sempre superar suas limitações e “voar” longe... Séculos mais tarde o sonho de Ícaro virou realidade, apesar de às vezes vir também acompanhado de traços de tragédia.
Os homens começaram a conquistar os ares primeiramente com balões esféricos de ar quente, originários de experiências do português Bartolomeu de Gusmão, no século XVIII. Apesar de voar, o balão conduzia-se pelo vento, o que não permitia a escolha de sua direção. Voar no comando, como os pássaros, sempre foi o desejo dos humanos.
Leonardo da Vinci, no século XV, fez longos estudos sobre as asas e o vôo dos pássaros. Não conseguiu colocar seus projetos em prática, mas suas anotações são uma referência notável. Nos séculos seguintes, surgiram relatos da construção de máquinas voadoras estranhas e fantásticas, de sucesso nunca comprovado. O sonho permanecia vivo.
Somente no século XIX surgiram estudos teóricos e práticos mais fundamentados. No início do século XX, a idéia de voar conduzindo a trajetória em um aparelho mais pesado que o ar já era uma realidade no meio científico. Paris era o centro dessa busca onde se concentravam os pioneiros da aviação. Por lá se encontrava um brasileiro franzino de corpo e gigante de determinação: Alberto Santos Dumont.
Dumont nasceu em Minas Gerais em 1873, quando seu pai – filho de imigrantes franceses - comandava a construção de uma estrada de ferro. Posteriormente, seu pai tornou-se fazendeiro de café no Rio de Janeiro e São Paulo, mas sempre levando consigo os hábitos modernizantes de engenheiro. Automatizou os processos de separação de grãos, introduziu inovações na lavoura, construiu ferrovias para o escoamento da safra e substituiu a mão-de-obra escrava pela imigrante. Em alguns anos, transformou sua fazenda na maior produtora de café do país.
Alberto cresceu em um ambiente que valorizava a inovação e sempre foi fascinado por tecnologia. Aos 15 anos viu pela primeira vez um balão esférico e escreveu: “Meditando sobre a exploração do grande oceano terrestre, também eu criava aeronaves e inventava máquinas”. Mais tarde seus devaneios viraram ação em busca desse sonho.
Viajou para Paris, voou em balões e virou um estudioso e construtor de máquinas voadoras. Projetava, financiava e pilotava suas invenções. Seus testes eram públicos e levavam multidões às ruas de Paris. Seu objetivo não era o lucro. Quando alguém se interessava em comprar suas invenções, dizia que não as construía para vender, mas que colocava seu projeto à disposição de qualquer um que quisesse construir um modelo igual ao seu. Seu desejo era difundir a aviação.
Santos Dumont construiu balões, dirigíveis e, em 1905, publicou um artigo afirmando que o desenvolvimento de aeroplanos motorizados mais pesados que o ar já era possível. A partir daí, dedicou-se a esse projeto e no dia 23 de outubro de 1906 realizou o vôo histórico do 14 BIS. Percorreu apenas 60 metros a 3 metros de altura, mas provou que o sonho era agora uma realidade. Um mês depois, fez novo vôo percorrendo 220 metros a uma altura de 6 metros. Os avanços daí em diante seriam rápidos.
Tornou-se uma celebridade no mundo científico, construiu novos aviões, bateu seus próprios recordes. Foi o primeiro a decolar - sem necessidade de uma rampa para lançamento - a bordo de um avião, impulsionado por um motor aeronáutico e o primeiro a cumprir um circuito pré-estabelecido sob testemunho oficial de especialistas, jornalistas e populares.
Doente, passou a dedicar-se a astronomia. Nunca desviou os olhos do céu! Morreu no Brasil, em 1932, de forma suspeita. Alguns acreditam que tenha se suicidado devido a uma depressão provocada pelo uso indevido de sua invenção nas guerras. Pôde presenciar que sua invenção, apesar dos incontestáveis benefícios à Humanidade, também pode provocar tragédias.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti

Documento nos revela a cidade de Lagoa Santa/MG no século XIX.


Clique na imagem para ampliá-la.

Ao desvendarmos a História, muitas vezes nos deparamos com vestígios raros e ricos em informações sobre nosso passado. Vestígios que se transformam em documentos históricos esclarecedores sobre o cotidiano e relações sociais de uma época.
Há alguns anos atrás fui surpreendida com um desses documentos. Estava pesquisando a correspondência do naturalista dinamarquês Peter W. Lund (1801-1880) com seus amigos europeus quando encontrei um mapa de Lagoa Santa/MG do século XIX. Não era um mapa comum, mas sim um esboço das ruas e casas da cidade, seus respectivos moradores e comentários a respeito de alguns deles.
O mapa foi desenhado por Andreas Brandt - companheiro e auxiliar de Lund em suas pesquisas paleontológicas - e tinha como objetivo informar a um amigo sobre os recentes acontecimentos da cidade. O amigo era o renomado cientista J.R.Reinhardt que viveu em Lagoa Santa nos anos de 1850-1852 e 1854-1856 na companhia de seu mestre Peter Lund.
Após retornar à Copenhague, Reinhardt sempre se queixava nas correspondências de saudades do Brasil e dos amigos aqui deixados. Lund, então, pediu a Brandt que fizesse o mapa e ele próprio escreveu uma “legenda” retratando de forma detalhada e, muitas vezes, irônica a vida no pequeno arraial. Documentos como este são um presente para os historiadores, apesar de não ter sido esta a intenção de seus criadores.
Convido-os a percorrer as ruas de Lagoa Santa do século XIX, conhecer seus moradores e alguns detalhes de suas vidas. Tudo isso, através do olhar de dois estrangeiros que aqui viveram e morreram: Andreas Brandt e Peter Lund. Se vocês vivem ou freqüentam Lagoa Santa, sua caminhada pelo centro da cidade não será mais a mesma após essa viagem no “tunel do tempo”. Se vocsê não a conhecem, fica aqui um convite: descubram a Lagoa Santa do século XXI e, também, a do século XIX. Divirtam-se.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Oscar Niemeyer: o inveterado sonhador de 101 anos presenteia Minas Gerais com mais uma obra de genialidade.




Em 1897 foi inaugurado o novo Centro Administrativo de Minas Gerais. Juntamente com a nova capital, transferiu-se de Vila Rica (atual Ouro Preto) para Belo Horizonte toda a estrutura administrativa do Estado. A Praça da Liberdade foi construída de forma a abarcar as diversas ramificações do poder político-administrativo mineiro. Belo Horizonte foi planejada como símbolo do progresso e da República, respondendo, assim, aos anseios da Modernidade.
Hoje presenciamos um novo momento de mudança: o processo de construção e transferência do Centro Administrativo para o Serra Verde. Não há quem não desvie o olhar da Linha Verde por alguns instantes a fim de observar as obras e admirar-se com suas formas arredondadas e surpreendentes. O projeto é assinado pelo arquiteto Oscar Niemeyer que deixa mais uma vez sua marca no cenário e História mineira.
Niemeyer revolucionou a arquitetura mundial e tudo começou por aqui. Em 1943, inaugurou o Conjunto Arquitetônico da Pampulha durante o Governo JK. Mais tarde, essa dupla surpreenderia o mundo com a construção de Brasília. Aos 101 anos de idade, Niemeyer demonstra que continua criativo, ousado, moderno e polêmico.
Normalmente aprende-se mais sobre os mortos do que sobre os vivos. Basta falecer para ser biografado, estudado, homenageado, virar filme e livro. Niemeyer é um personagem histórico tão marcante que já passou por tudo isso e ainda está na ativa, criando e fazendo História.
Suas qualidades profissionais são incontestáveis e já bastante conhecidas. Porém, o que mais me fascina são suas idéias (algumas vezes polêmicas!), sua personalidade, sua trajetória de vida.
Nada melhor do que suas próprias palavras para retratar um homem. Diante das comemorações do seu centenário, Niemeyer disse: “Cem anos é uma bobagem. Depois dos 70 a gente começa a se despedir dos amigos. O que vale é a vida inteira, cada minuto também, e acho que passei bem por ela.” Certamente que sim, Oscar!
Ao ser tão bajulado por suas criações, afirma que “mais importante que a arquitetura é estar ligado ao mundo. É ter solidariedade com os mais fracos, revoltar-se contra a injustiça, indignar-se com a miséria”. “O essencial é o bom comportamento do homem diante da vida”.
Niemeyer sempre denunciou as injustiças sociais e foi perseguido por isso. Em 1965, demitiu-se da Universidade de Brasília juntamente com outros professores em protesto à política da Ditadura Militar. Sofreu retaliações, teve seus projetos recusados e sua clientela desapareceu. Precisou sair do país para continuar trabalhando e só retornou com a Abertura Política na década de 80.
Nunca escondeu suas convicções: “Nunca me calei. Nunca escondi minha posição de comunista. Os mais compreensíveis que me convocam como arquiteto sabem da minha posição ideológica. Pensam que sou um equivocado e eu penso a mesma coisa deles. Não permito que ideologia alguma interfira em minhas amizades.”
Aposentar? Nem pensar. Ele não pára nunca... Afinal, “como explicar que cruzar os braços é um problema e que a vida dura só um minuto?” Para ele, “A vida é um sopro.” Um sopro de genialidade e solidariedade.
Acredita que “nossa passagem pela vida é rápida. Cada um vem, conta sua história, vai embora e depois ela será apagada para sempre. A vida continua.” Desta vez sou abrigada a contestá-lo, Oscar!
Alguns deixam marcas que não se apagam tão facilmente. O novo Centro Administrativo de Minas Gerais será uma dentre tantas marcas que Oscar Niemeyer nos deixará. Uma obra que nasce Moderna assim como o Centro Administrativo de 1897 o foi em sua época. Seu idealizador é um homem que sabe que “a gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem.” Obrigado, Oscar, por nos escolher como cenário para mais esse sonho...

“Não é o ângulo reto que me atrai
Nem a linha reta, dura, inflexível
Criada pelo Homem.
O que me atrai é a curva livre e sensual.
A curva que encontro nas montanhas do meu país
No curso sinuoso dos rios
Nas ondas do mar, nas nuvens do céu
No corpo da mulher preferida
De curvas é feito todo o Universo
O Universo curvo de Einstein”
Oscar Niemeyer


Autora: Ana Paula A. Marchesotti

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Peter Lund: o homem que não temia desafios


A paisagem natural, flora e fauna da região do Rio das Velhas despertaram o nteresse de muitos cientistas e viajantes ao longo do tempo. Alguns passaram rapidamente por Minas Gerais; outros aqui se estabeleceram por algum tempo, a fim de analisarem mais detidamente a riqueza natural da região.Poucos, porém, optaram por viver definitivamente no Brasil. Um deles tornou o nome de Minas Gerais conhecido mundialmente e atraiu diversos outros estrangeiros para a região. Quem foi esse Homem? Peter Wilhelm Lund (1801/1880).

Em minhas pesquisas descobri que, apesar do nome de Peter Lund ser exaustivamente citado, poucos conhecem sua história e sua importância para a região e para a ciência brasileira. Fiz uma biografia científica de Peter Lund como dissertação de mestrado (Infelizmente, ainda não publicada por falta de patrocínios) e dividirei com vocês um pouco do que aprendi com este homem.

Nascido na Dinamarca em 14 de junho de 1801 numa abastada família de comerciantes, Peter Lund graduou-se em Letras e Medicina, mas logo foi seduzido pelas pesquisas de História Natural. Isso foi possível devido à ampla formação universitária do século XIX, bem diferente da formação fragmentada de hoje.

Decidido a ser um naturalista, Lund fez sua primeira viagem ao Brasil (1825/1829) na qual restringiu-se à província do Rio de Janeiro e às pesquisas botânicas e zoológicas. Dias antes de sua chegada nascera o herdeiro do trono brasileiro - o futuro D. Pedro II - e Lund se deparou com um país em festa. O que terá pensado o rico e culto dinamarquês diante de um cenário e povo tão diverso do seu?

O estranhamento sentido não o impediu de retornar ao Brasil em 1833 (ou foi exatamente o que o atraiu?), após um período na Europa travando contato com grandes cientistas. No Rio de Janeiro conheceu o botânico alemão Ludwig Riedel e viajaram juntos pelo interior do país pesquisando a peculiar flora brasileira. Em Minas, os planos de Lund seriam definitivamente transformados.

Em Curvelo, os naturalistas se encontram casualmente com outro dinamarquês, Peter Claussen, que os apresentou às ossadas encontradas nas cavernas da região e às belezas escondidas nas profundezas do solo brasileiro. Lund viu-se fascinado pelas potencialidades científicas das cavernas mineiras e, após se separar de Riedel em Ouro Preto, retornou às cavernas que tanto o atraíam e que assim descreveu: "Confesso que nunca meus olhos viram nada de mais belo e magnífico nos domínios da natureza e da arte."

Após divergências com Claussen, Lund partiu para explorar outras cavernas no Vale do Rio das Velhas, fixou-se em Lagoa Santa e explorou seu entorno por cerca de dez anos, coletando e estudando os fósseis encontrados. Realizou importantes estudos sobre a fauna de mamíferos do Vale do Rio das Velhas, as peculiaridades de sua população pré-histórica, achados arqueológicos, pinturas rupestres e ocupação da América.

Seus estudos o tornaram uma referência em diversas áreas - Arqueologia, Zoologia, Botânica, Espeleologia - e o Fundador da Paleontologia Brasileira. Lund não foi o primeiro a falar de fósseis no Brasil, mas o primeiro a se dedicar de forma específica e sistemática a esse objeto de estudo.

Surpreendentemente, após estudos tão consistentes, Lund encerrou suas atividades exploratórias nas cavernas em 1845, enviou sua grandiosa coleção para a Dinamarca e permaneceu em Lagoa Santa até sua morte. Muitos têm sido os motivos apontados para essa atitude extremada: problemas de saúde; dificuldades financeiras; conflitos existenciais diante de descobertas que negavam teorias nas quais foi formado; afastamento da comunidade científica a que estava fadado em Lagoa Santa,... Possivelmente todos esses motivos tenham contribuído para sua decisão.

Essa atitude torna-se inteligível quando verificamos que Lund nunca temeu mudanças e desafios em sua vida profissional. Rompeu a tradição familiar de grandes comerciantes para seguir a carreira acadêmica; abandonou a promissora profissão médica para praticar a História Natural; deixou de dedicar-se à Zoologia e Botânica para penetrar em um novo campo de pesquisa: a Paleontologia. Mais tarde, teve a coragem de se desvencilhar dos fósseis que lhe custaram tantos anos de árduo trabalho para exercer ou-tras formas de atividade científica no Brasil, sem jamais retornar à Europa.

Peter Lund foi um homem surpreendente e apaixonante exatamente porque foi humano e, como tal, muitas vezes ambíguo, contraditório e incompreensível. Viveu quase 50 anos entre nós, optou por ser enterrado sob um pequizeiro do cerrado mineiro e nos deixou grandes lições de vida e contribuições científicas. Portanto, está passando da hora de conhecermos melhor esse dinamarquês tão mineiro que faz parte de nossa História e identidade cultural.

Autora: Ana Paula A.Marchesotti
Fonte: Revista Condomínios, v.2, fev/2007