
sábado, 9 de junho de 2012
Publicação do livro PETER WILHELM LUND - O NATURALISTA QUE REVELOU AO MUNDO A PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Duas mulheres se encontram em uma caverna mineira: o Brasil descobre suas remotas origens.


O encontro de duas mulheres nas entranhas das cavernas mineiras marcou a História da ciência mundial e o Brasil pôde conhecer suas origens mais remotas. Cerca de 11 mil e 500 anos as separavam. Uma precisava da outra para ganhar vida, identidade e se revelar ao mundo. A outra ganhou com a primeira notoriedade, satisfação profissional e maior respeito da comunidade científica.
Uma delas é Luzia, mulher que viveu em MG há aproximadamente 11 mil e quinhentos anos. Pertencia a um grupo nômade de caçadores-coletores que fisicamente assemelhavam-se aos aborígines africanos e australianos. Morreu com cerca de 20 anos possivelmente por um acidente ou ataque de animal. Luzia não foi enterrada segundo o ritual de seu povo. Seu corpo caiu ou foi arremessado em uma cavidade natural protegida na caverna futuramente conhecida como Lapa Vermelha IV, nos arredores de Lagoa Santa. Na época, a seca e o frio (cerca de 5 graus abaixo da temperatura atual) tornavam essa região inóspita e o povo de Luzia estava só de passagem. Coberta por 11 metros de sedimentos depositados ao longo dos séculos, Luzia descansou até ser encontrada pela equipe chefiada pela segunda mulher: Annette Laming Emperaire.
Annette era filha de diplomatas franceses e nasceu em São Petersburgo em 1917, poucos dias antes da Revolução Russa. Retornaram para a França onde graduou-se em Filosofia e especializou-se em Arqueologia. Durante a Segunda Guerra Mundial era professora e fez parte da Resistência, movimento que lutou contra a ocupação francesa pelos nazistas. Foi pesquisadora do Centre National de la Recherche Scientifique da França e se dedicou à Pré-História, especialmente ao estudo da arte rupestre da Europa Ocidental. As descobertas sobre a antiguidade da ocupação humana em Lagoa Santa que começaram com os estudos do naturalista dinamarquês Peter W. Lund no século XIX motivaram Annette a pesquisar por aqui.
Suas primeiras incursões ocorreram em 1971, mas só ganharam corpo quando se formou a Missão franco-brasileira patrocinada pela UNESCO, Ministério de Assuntos Estrangeiros da França e Museu Nacional entre 1973 e 1976. A missão tinha o objetivo de aprofundar conhecimentos já analisados por Peter Lund, inventariar sítios arqueológicos e analisar pinturas rupestres compreendendo seus significados.
Exploraram dezenas de sítios arqueológicos, mas na Lapa Vermelha IV realizaram sua grande descoberta: a ossada de Luzia, o esqueleto humano mais antigo das Américas.
Annette não teve tempo de realizar grandes publicações sobre sua descoberta, pois faleceu em 1977. Assim como Luzia, teve sua vida interrompida por trágico acidente. Seu trabalho foi posteriormente finalizado e publicado por seus assistentes. Annette é um marco na Arqueologia Brasileira, pois além da descoberta que mudou o olhar científico para a pré história americana, foi pioneira nas datações radiocarbônicas para sítios arqueológicos e estudos modernos dos sambaquis e pinturas rupestrres brasileiras. Foi fundamental na formação das novas gerações de arqueólogos brasileiros.
Após ser resgatada das profundezas da caverna mineira por Annette e sua equipe, Luzia foi novamente esquecida. Desta vez em uma das gavetas no acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Só ganhou fama internacional quando foi objeto de estudo de pesquisadores da USP, sobretudo do Prof. Walter Neves. A reconstituição de sua face ganhou visibilidade internacional e a teoria aventada por Peter Lund e defendida por importantes pesquisadores brasileiros entrou na pauta de debates internacionais: o povo de Luzia coexistiu com a megafauna primitiva (como preguiças gigantes, tigres dentes-de-sabre) e pertencia a um grupo distinto da raça mongólica que deu orígem aos indígenas americanos e ocupou a América muito antes do que se supunha; esses grupos distintos entraram no continente pelo estreito de Bering e a predominância da população com características mongólicas só ocorreu em momentos mais tardios da história humana no continente.
Desde sempre o ser humano se pergunta de onde veio. O encontro de Luzia e Annette nos possibilitou caminhar um pouco mais na busca dessa resposta, ajudando-nos a conhecer melhor nossas origens mais remotas.
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Arnaldo Marchesotti: vendo o mundo através da música.


Adoro biografias históricas. Elas nos possibilitam compreender as singularidades do personagem biografado à luz de seu contexto histórico. O relato de uma trajetória particular – seja de um sujeito anônimo ou excepcional – pode ser um ponto de partida para o desvelamento da trama sócio-cultural de sua época. Farei, aqui, uma brevíssima biografia de um músico que nasceu na Itália e viveu seus últimos anos em Lagoa Santa\MG. Um homem que transpôs – com garra e humor – os obstáculos e desafios que a vida lhe oferece.
Arnaldo Marchesotti nasceu em Como, pequena cidade nos arredores de Milão, no natal de 1916. Seu pai, Ricardo, era um especialista em montagem e conserto de motores e bombas hidráulicas e foi combatente na I Guerra Mundial. Sua mãe, Ines, teve 4 filhos e todos acreditaram que a situação familiar melhoraria com o fim da guerra. No entanto, o pior ainda estava por vir: a Gripe Espanhola e o Fascismo.
A Gripe Espanhola foi uma variação da gripe comum que se tornou um inimigo ainda mais assustador que o exército adversário. Matou mais de 30 milhões de pessoas em dois anos. As primeiras notícias da doença apareceram na Espanha em 1918, mas não se tem a confirmação de que tenha surgido neste país. A doença se disseminou rapidamente pelo mundo, cerca de um terço da humanidade a contraiu e pegou em cheio a família Marchesotti.
O velho Ricardo foi quase desenganado, a filha Ângela ficou com deformação nos membros inferiores e o caçula Arnaldo perdeu totalmente a visão aos 18 meses de vida. A família ainda se recuperava do golpe, agradecendo pela vida de todos, quando veio a perseguição política.
O Fascismo, doutrina totalitária que surgiu na Itália em 1918, ganhava terreno com a chegada de Mussolini ao poder em 1922. Ricardo se opunha ao regime, teve seu local de trabalho incendiado e passou a sofrer cada vez mais perseguições. Resolveu, então, deixar a Itália e mudar com a família para o Brasil, onde um de seus irmãos fundara uma fábrica de tecidos. Havia, porém, um empecilho: Arnaldo encontrava-se internado no Instituto de Cegos de Milão desde os 3 anos e a família temia que, no Brasil, ele não tivesse oportunidades de estudo. Decidiram partir e deixa-lo na Itália até se certificarem da existência de escola especializada para cegos no Brasil. A família Marchesotti desembarcou no porto de Santos em 1926, mas Arnaldo ficou internado em Milão.
No Brasil havia duas escolas para cegos de grande prestígio: o Instituto Benjamim Constant no Rio de Janeiro e o Instituto São Rafael em Belo Horizonte. Optaram por Belo Horizonte devido à qualidade da escola e à presença do professor de música Pedro de Castro. Arnaldo já era considerado um grande talento musical e a família vislumbrava um futuro promissor para o caçula. Ines voltou à Italia para busca-lo e, após algum tempo em São Paulo, a família Marchesotti mudou-se para a jovem capital mineira.
A partir daí, Arnaldo escreveu sua própria história. Continuou seus estudos musicais de piano, aos 9 anos se apresentou no Teatro Municipal de São Paulo e aos 11 anos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, sempre com grande repercussão na mídia ressaltando sua genialidade. Em Belo Horizonte, concluiu seus estudos no Instituto São Rafael, em 1932, e também no Conservatório Mineiro de Música. Foi o primeiro pianista cego a diplomar-se no Brasil como foi amplamente divulgado pela imprensa da época. Arnaldo casou-se com a jovem Letícia e proveu o sustento dos seus sete filhos com sua arte.
Arnaldo Marchesotti teve uma carreira artística bastante intensa. Apresentou-se em mais de 150 cidades brasileiras, todas as capitais, Estados Unidos e América Latina. Realizou constante atividade radiofônica tocando na Rádio Inconfidência desde sua fundação até aposentar-se em 1968; na Rádio Ministério da Educação, Jornal do Brasil, Rádio Educadora Paulista, além de audições na TV Itacolomi e na TV Tupi. Foi crítico musical na Folha de Minas e lecionou no Instituto São Rafael por 30 anos.
Sua casa no bairro da Serra era frequentada por personalidades artísticas e intelectuais - inclusive muitos estrangeiros- o que a tornavam um agitado ponto de encontro na capital mineira. Porém, em 1969, Arnaldo optou pela tranquilidade de Lagoa Santa. vendeu sua casa em BH e mudou-se para uma casa próxima à lagoa, onde viveu seus últimos anos. Leituras em braile, estudo de idiomas (Arnaldo falava 6 idiomas) e exercícios diários ao piano faziam parte de sua rotina diária. Até que um dia de 1979 Arnaldo entrou no seu salão de música, tocou piano e não mais saiu.
Numa época em que o tema da inclusão está tão em voga, é bom refletirmos sobre a vida de um deficiente visual que enfrentou a vida com garra, qualificou-se e cavou seu espaço no mercado de trabalho. Quando lhe perguntavam sobre seu sucesso, ele respondia que era fruto de 10% de talento e 90% de muito suor. É um grande exemplo de vida que trago comigo desde a infância, pois tenho a honra de ser neta de Arnaldo Marchesotti.
domingo, 8 de maio de 2011
Muito além da Inconfidência Mineira...


Sempre que a data comemorativa de Tiradentes - 21 de abril - se aproxima, escuto questionamentos sobre o heroísmo deste inconfidente ou sobre a validade do movimento da Inconfidência Mineira. Na maioria das vezes são comentários marcados pela dicotomia bem/mal que não procuram compreender esses personagens e fatos na sua época.
A Inconfidência Mineira é um movimento que traz em si muitas contradições e dicotomias. Vista por alguns como movimento patriótico, republicano, heroico, marco da identidade nacional; por outros é considerada um movimento elitista, cravado de interesses particulares e divergentes que só se afinavam quanto à resistência aos tributos à Coroa Portuguesa. Dependendo do foco, do recorte ou personagem envolvido, todos tem certa razão.
A forma como enfatizamos e interpretamos a Inconfidência Mineira ao longo do tempo nos diz muito sobre ela e sobre nós mesmos. Pois, como dizia Walter Benjamin, “ um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois.”
Durante o Período Imperial, A inconfidência Mineira era um tema proibido e perigoso, seus heróis eram considerados traidores. Afinal, o Brasil era governado por descendentes de D. Maria I, Rainha de Portugal que condenou os inconfidentes na época em que o Brasil ainda era uma colônia dos portugueses. Apenas nos últimos anos do Império, quando a ideia de República começava a ganhar força, a memória histórica do movimento foi resgatada e seus participantes foram ganhando ares de heróis.
Num canto esquecido da Secretaria de Estado do Império foram descobertos os Autos da Devassa: documento oficial com os depoimentos dos indiciados pela participação na Inconfidência. Fonte privilegiada para conhecimento da Inconfidência Mineira. Ainda hoje, historiadores debruçam-se sobre os Autos da Devassa procurando compreender esse rico movimento que ecoou das Minas Gerais no final do século XVIII.
Foi com a chegada da República (1889) que a Inconfidência Mineira foi resgatada do imaginário popular e seus personagens transformados em figuras míticas da nossa História Política. É sempre bom lembrarmos que Mitos costumam dizer mais sobre a História que os criou do que sobre si mesmos.
A República precisava de um mito fundador e a Inconfidência serviu bem a esse propósito por seus elementos dramáticos e seus ideais republicanos, apesar de não tão arraigados e unânimes entre seus participantes como se pressupunha. É fato que nem todos os inconfidentes eram a favor da Republica ou da Abolição da Escravatura, mas o simples fato desses temas terem sido discutidos e pautados na conspiração já diz muito.
A República foi a responsável, quase um século depois, pela mitificação de Tiradentes. Os republicanos ressaltaram o aspecto religioso do mito (Tiradentes com imagem de Cristo e resignado ao sacrifício), apesar da Inconfidência não ter sido um movimento religioso como muitos outros no Império. Desde então os heróis nacionais nascem com uma aura religiosa, com a missão de salvar a Pátria. Até quando procuraremos, esperaremos ou elegeremos “salvadores da Pátria”?
Mais importante do que polemizar se a Inconfidência foi um movimento idealista ou materialista; se Tiradentes foi o líder ou simplesmente o bode expiatório é refletirmos sobre o significado do movimento na sua época e ao longo da História.
O fato de alguns homens de idades e formações variadas se reunirem para debater a situação do país, sonharem e planejarem alternativas, polemizarem questões em pauta pelo mundo (como República e Abolição), proporem ações concretas de resistência às deliberações superiores que julgavam injustas tem, no meu ponto de vista, uma relevância enorme. Quantos de nós temos essa disponibilidade e iniciativa? Ao lembrarmos que fazer isso no Período Colonial era também muito arriscado, ficamos ainda mais admirados.
Os inconfidentes foram homens que – movidos por ideais ou interesses particulares – saíram da “zona de conforto” e fizeram diferença em sua época propondo algo novo e que consideravam mais justo. Essa é a imagem da Inconfidência Mineira que gosto de recuperar quando se comemora o dia de Tiradentes e, assim, poder inspirar novos inconfidentes.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
LAGOA SANTA SOB FOGO CRUZADO

Quando assistia às imagens das ações de ocupação dos morros cariocas, pensava nas pessoas por trás daquelas janelas e agradecia a tranqüilidade de Lagoa Santa. Foi quando me lembrei que antigos moradores viveram situação semelhante durante a Revolta Liberal de 1842.
O contexto nacional era de contestação. O início do reinado de D Pedro II foi marcado por revoltas e lutas políticas, sobretudo entre Liberais e Conservadores. Esses se divergiam, sobretudo, quanto à autonomia das províncias. Muitas revoltas eclodiram pelo país tendo como pano de fundo essa disputa política. A Revolta de 1842 foi uma delas e teve como palco as províncias de Minas Gerais e São Paulo.
Os liberais, alijados do poder, planejaram um movimento armado que se iniciaria em São Paulo e seria seguido por Minas Gerais. Esperava-se, também, o apoio do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, o que não ocorreu.
Em maio de 1842, os rebeldes paulistas eclodiram o movimento armado, porém a falta de planejamento destes e as ações precisas do comandante das tropas legalistas – Duque de Caxias – derrotaram-os em pouco mais de um mês. Quando a revolta já estava perdida para os paulistas, Minas Gerais entrou em cena.
Em 10 de junho, o liberal José Feliciano foi aclamado novo presidente da província e a governou, paralelamente, de Barbacena e São João Del Rei. Realizou algumas marchas descabidas e lentas que causaram grande desgaste de recursos e tropas; adiou demasiadamente o ataque à capital Ouro Preto e provocou divergências internas, sobretudo com o radical Teófilo Otoni. Mesmo conseguindo importantes vitórias sobre as tropas legalistas, os revoltosos optaram por recuar para Santa Luzia e arredores quando souberam da vinda de Caxias para chefi

Em 2 de agosto, parte das tropas rebeldes partiram de Santa Luzia em retirada para Lagoa Santa. No dia 3, o Arraial de Nossa Senhora da Saúde de Lagoa Santa estava ocupado pelas tropas insurgentes chefiadas pelo Coronel Luis Eusébio. Sabiam que logo seriam atacados e se entrincheiraram em capões nos arredores e nos quintas de residências. Que dias foram aqueles!
As tropas legalistas eram mais numerosas e equipadas, mas os rebeldes lutaram bravamente. O ataque veio logo e por todos os lados, mas teve como foco a casa de Adriano José de Moura onde estavam o Estado-Maior e as munições. Como relatou um dos rebeldes combatentes, os legalistas “despendiam uma chuva de balas, mas os homens do sertão, entrincheirados como estavam, não davam tiros debalde, e tão terrivelmente repeliam os contrários que cada bala por eles despendida levava consigo uma morte ou uma ferida.”
O combate cessou a noite com a vitória dos rebeldes e apoio da população local. Porém, o Arraial estava cercado, sem notícias das outras colunas rebeldes e com a munição chegando ao fim. Nos dias 5 e 6, as tropas legalistas voltaram a atacar e, desta vez, mais preparadas para o combate. Há relatos que descrevem o momento em que o Coronel Luis Eusébio deu ordem aos rebeldes para se dispersarem pela mata. Bravos combatentes ouviram em prantos tal ordem e se dispersaram deixando Lagoa Santa nas mãos do exército legalista. No dia 6 de agosto, Caxias chegou a Ouro Preto e liderou as ações que derrotaram definitivamente as tropas rebeldes que resistiam em alguns pontos da província. A falta de coordenação e indecisão dos rebeldes facilitaram seu trabalho. Alguns rebeldes fugiram para o Espírito Santo e, posteriormente foram anistiados. Caxias partiu, ainda em 1842, para o Rio Grande do Sul para comandar as tropas contra os farroupilhas.
Lagoa Santa viveu dias de guerra em agosto de 1842: adrenalina, temor, vitória, derrota, bravura, esperança, frustração, morte, insegurança,... Quantos sentimentos fortes e antagônicos marcaram esses dias.
A História registrou a batalha de Lagoa Santa como uma das mais emocionantes da Revolta de 1842, mas lamentavelmente a maior parte dos moradores atuais desconhece esses fatos. Espero estar contribuindo um pouco para mudar isso. Aproveito para agradecer a receptividade e retorno carinhoso que recebi dos leitores ao longo do ano e desejar um feliz natal e um 2011 especial a todos.
Peter W. Lund: um pouco de sua História.

Lund não viera ao Brasil por acaso. Após a vinda da corte portuguesa para a América em 1808, muitos cientistas estrangeiros vieram desbravar a riqueza natural brasileira. Lund - graduado em Medicina e Letras em Copenhague - desembarcou no Novo Mundo em dezembro de 1825, aos 24 anos, para realizar pesquisas no campo da História Natural. Nesta primeira estada no país concentrou-se nos estudos botânicos e zoológicos nos arredores do RJ.
Em 1929, retornou à Europa, publicou obras, inseriu-se na comunidade científica mundial e poderia ter permanecido anos pesquisando a rica coleção que levara do Brasil. Lund, porém, cedeu ao fascínio pelo desconhecido e retornou à América em 1833.
Em solo brasileiro associou-se ao botânico alemão Ludwig Riedel e percorreram diversos estados, coletando e analisando a flora tropical. Em Curvelo(MG), uma surpreendente coincidência mudou os planos de Peter Lund: um outro Peter , um outro dinamarquês cruzou seu caminho – Peter Claussen.
Claussen era fazendeiro na região e apresentou aos cientistas a riqueza fóssil do interior das cavernas mineiras. Apresentou-os também aquele que seria companheiro e auxiliar de Lund por toda a vida: Andreas Brandt. Mais tarde, Lund se separou de Riedel e de Claussen, mas nunca foi capaz de se afastar do solo mineiro.

Morando em Lagoa Santa, Lund explorou cavernas por dez anos, coletando e estudando os fósseis nelas encontrados. Tornou-se merecidamente o “Pai da Paleontologia Brasileira. Não foi o primeiro a relatar a presença de fósseis no Brasil, mas foi o pioneiro no estudo sistemático deles. ”. Aparentemente isolado nos confins de MG, publicou suas conclusões em diversas revistas estrangeiras e manteve-se em permanente contato com a comunidade científica mundial.
Peter Lund realizou importantes estudos sobre a fauna de mamíferos da região do Vale do Rio das Velhas, as peculiaridades de sua população, achados arqueológicos, análises geomorfológicas e pinturas rupestres. Encontrou na Gruta do Sumidouro fósseis humanos na mesma escala geológica e no mesmo estado de fossilização de antigos animais extintos, provando que viveram na mesma época e que a ocupação da América era bastante remota. Ao estudar os fósseis humanos, encontrou características que os diferenciavam da raça mongólica que teria dado origem aos indígenas sul-americanos. Diante disso, Lund propôs que o homem teria coexistido com os gigantescos mamíferos extintos. Concluiu que teria surgido primeiramente na América e, só posteriormente, migrado para a Ásia, onde teria dado origem à raça mongólica – o contrário do que concluem as teorias mais recentes.
Após divulgar conclusões tão polêmicas e inovadoras em sua época, em 1845, Lund encerrou suas atividades exploratórias nas cavernas e enviou sua coleção para Dinamarca (algumas peças, doou ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro). Ao contrário do que era de se esperar, permaneceu em Lagoa Santa até sua morte em 1880.
Peter Lund realizou estudos inovadores, questionou teses mundialmente aceitas em sua época, propôs interpretações que ainda hoje são discutidas pela comunidade científica internacional. Portanto, esse “mineiro” dinamarquês faz jus às diversas citações e homenagens que recebe. A maioria das pessoas, porém, desconhece os motivos de sua fama. Nunca é demais divulgar sua História e atender ao pedido de muitos leitores que sempre me pedem para retomar o tema de minha dissertação de Mestrado.
“[...] É só o que posso fazer, em honra da caverna clássica e do sábio que a indicou ao zelo das novas gerações, cuidando que, no futuro, suas investigações teriam prosseguimento, e que ali se instalaria um mutirão de pesquisadores ávidos de descobrir os enigmas daTterra e do homem.”
Ao Dr. Lund em seu repouso _ Carlos Drummond de Andrade
Rio das Velhas: Rio das Minas Gerais

“Que grande parte da história de Minas não se terá desenrolado nas margens do Rio das Velhas? E que mundo de segredos não estarão escondidos no fundo de suas águas profundas?" Lúcia Machado de Almeida IN: Passeio a Sabará

O nome Rio das Velhas já carrega consigo uma lenda. A tradição popular diz que o bandeirante paulista Bartolomeu Bueno, ao se aproximar do rio, deparou-se com três velhas índias acocoradas em suas margens nas proximidades de Sabará. O poeta Cláudio Manoel da Costa registrou em um de seus poemas (Égloga Arúncio) esse encontro e atribui ao Governador Antônio de Albuquerque a escolha deste nome.
O Rio das Velhas é o maior afluente do São Francisco e todo o seu curso (cerca de 761 Km) está dentro do território de Minas Gerais. Sua nascente fica em Ouro Preto de onde parte como uma serpente, com grande sinuosidade rumo ao norte do estado.
Parte de seu curso atravessa uma região calcária com características bastante atípicas – o Carste de Lagoa Santa. O rio é alimentado por ribeirões subterrâneos; lagoas surgem e desaparecem “misteriosamente”, como a famosa Lagoa do Sumidouro. Quanta surpresa e lendas esses fatos devem ter gerado...
A tão sonhada e perseguida descoberta de ouro no Brasil ocorreu no vale do Rio das Velhas e dele partiu outras rotas de descobrimento de veios auríferos no vale de diversos afluentes do São Francisco. Às margens do Rio das Velhas surgiram os primeiros povoamentos de Minas Gerais que cresciam a cada dia com a chegada maciça de desbravadores atraídos pela riqueza da mineração. Muitos foram os cientistas e viajantes naturalistas que passaram pela bacia do Rio das Velhas ao longo dos séculos e o descreveram em seus relatos: Rugendas, Richard Burton, Saint Hilaire, Spix e Martius, Peter Lund e outros. Riqueza de uns, miséria de outros. Tributação de uns, contrabando de outros. Sonhos de uns, pesadelos de outros. O Rio das Velhas como testemunha de todos.

Conflitos entre bandeirantes, Guerras e Inconfidências, motins de escravos, criação de Quilombos, exploração por naturalistas estrangeiros, transferência da capital da Antiga Vila Rica (Ouro Preto) para Belo Horizonte, desenvolvimento das cidades e atividades econômicas poluidoras. O Rio das Velhas foi cenário de todas essas Histórias.
Mesmo quando ocorreu o esgotamento da mineração, outras atividades desenvolveram na região, como a pecuária e a agricultura. Junto com estas novas atividades, o processo de ocupação e degradação prosseguiu, sobretudo pelo desmatamento para a formação de pastos e para a implantação de monoculturas
Sempre que passo pelo Rio das Velhas e o vejo ali poluído, desrespeitado e recebendo dejetos que o matam lentamente a cada dia, penso: Que seres são estes que destroem e pagam com a morte aquele que é sua fonte de vida? O que estarão pensando as três velhas índias acocoradas em suas margens sobre nossa atitude “civilizada” frente a nossa grande riqueza natural?