sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Arnaldo Marchesotti: vendo o mundo através da música.



Adoro biografias históricas. Elas nos possibilitam compreender as singularidades do personagem biografado à luz de seu contexto histórico. O relato de uma trajetória particular – seja de um sujeito anônimo ou excepcional – pode ser um ponto de partida para o desvelamento da trama sócio-cultural de sua época. Farei, aqui, uma brevíssima biografia de um músico que nasceu na Itália e viveu seus últimos anos em Lagoa Santa\MG. Um homem que transpôs – com garra e humor – os obstáculos e desafios que a vida lhe oferece.

Arnaldo Marchesotti nasceu em Como, pequena cidade nos arredores de Milão, no natal de 1916. Seu pai, Ricardo, era um especialista em montagem e conserto de motores e bombas hidráulicas e foi combatente na I Guerra Mundial. Sua mãe, Ines, teve 4 filhos e todos acreditaram que a situação familiar melhoraria com o fim da guerra. No entanto, o pior ainda estava por vir: a Gripe Espanhola e o Fascismo.

A Gripe Espanhola foi uma variação da gripe comum que se tornou um inimigo ainda mais assustador que o exército adversário. Matou mais de 30 milhões de pessoas em dois anos. As primeiras notícias da doença apareceram na Espanha em 1918, mas não se tem a confirmação de que tenha surgido neste país. A doença se disseminou rapidamente pelo mundo, cerca de um terço da humanidade a contraiu e pegou em cheio a família Marchesotti.

O velho Ricardo foi quase desenganado, a filha Ângela ficou com deformação nos membros inferiores e o caçula Arnaldo perdeu totalmente a visão aos 18 meses de vida. A família ainda se recuperava do golpe, agradecendo pela vida de todos, quando veio a perseguição política.

O Fascismo, doutrina totalitária que surgiu na Itália em 1918, ganhava terreno com a chegada de Mussolini ao poder em 1922. Ricardo se opunha ao regime, teve seu local de trabalho incendiado e passou a sofrer cada vez mais perseguições. Resolveu, então, deixar a Itália e mudar com a família para o Brasil, onde um de seus irmãos fundara uma fábrica de tecidos. Havia, porém, um empecilho: Arnaldo encontrava-se internado no Instituto de Cegos de Milão desde os 3 anos e a família temia que, no Brasil, ele não tivesse oportunidades de estudo. Decidiram partir e deixa-lo na Itália até se certificarem da existência de escola especializada para cegos no Brasil. A família Marchesotti desembarcou no porto de Santos em 1926, mas Arnaldo ficou internado em Milão.

No Brasil havia duas escolas para cegos de grande prestígio: o Instituto Benjamim Constant no Rio de Janeiro e o Instituto São Rafael em Belo Horizonte. Optaram por Belo Horizonte devido à qualidade da escola e à presença do professor de música Pedro de Castro. Arnaldo já era considerado um grande talento musical e a família vislumbrava um futuro promissor para o caçula. Ines voltou à Italia para busca-lo e, após algum tempo em São Paulo, a família Marchesotti mudou-se para a jovem capital mineira.

A partir daí, Arnaldo escreveu sua própria história. Continuou seus estudos musicais de piano, aos 9 anos se apresentou no Teatro Municipal de São Paulo e aos 11 anos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, sempre com grande repercussão na mídia ressaltando sua genialidade. Em Belo Horizonte, concluiu seus estudos no Instituto São Rafael, em 1932, e também no Conservatório Mineiro de Música. Foi o primeiro pianista cego a diplomar-se no Brasil como foi amplamente divulgado pela imprensa da época. Arnaldo casou-se com a jovem Letícia e proveu o sustento dos seus sete filhos com sua arte.

Arnaldo Marchesotti teve uma carreira artística bastante intensa. Apresentou-se em mais de 150 cidades brasileiras, todas as capitais, Estados Unidos e América Latina. Realizou constante atividade radiofônica tocando na Rádio Inconfidência desde sua fundação até aposentar-se em 1968; na Rádio Ministério da Educação, Jornal do Brasil, Rádio Educadora Paulista, além de audições na TV Itacolomi e na TV Tupi. Foi crítico musical na Folha de Minas e lecionou no Instituto São Rafael por 30 anos.

Sua casa no bairro da Serra era frequentada por personalidades artísticas e intelectuais - inclusive muitos estrangeiros- o que a tornavam um agitado ponto de encontro na capital mineira. Porém, em 1969, Arnaldo optou pela tranquilidade de Lagoa Santa. vendeu sua casa em BH e mudou-se para uma casa próxima à lagoa, onde viveu seus últimos anos. Leituras em braile, estudo de idiomas (Arnaldo falava 6 idiomas) e exercícios diários ao piano faziam parte de sua rotina diária. Até que um dia de 1979 Arnaldo entrou no seu salão de música, tocou piano e não mais saiu.

Numa época em que o tema da inclusão está tão em voga, é bom refletirmos sobre a vida de um deficiente visual que enfrentou a vida com garra, qualificou-se e cavou seu espaço no mercado de trabalho. Quando lhe perguntavam sobre seu sucesso, ele respondia que era fruto de 10% de talento e 90% de muito suor. É um grande exemplo de vida que trago comigo desde a infância, pois tenho a honra de ser neta de Arnaldo Marchesotti.

4 comentários:

Unknown disse...

Boa tarde,
Me chamo Juliana e sou bisneta da Angiolina "Ângela" Marchesotti. Moramos no Rio de Janeiro e estamos em processo de obtenção da cidadania italiana, e foi assim que encontrei esse post. Gostaria de saber se você sabe o local de nascimento do Ricardo? Já temos todos os documentos da Inês e da Angiolina, mas falta a certidão do Ricardo, que não conseguimos localizar pois não sabemos o seu local de nascimento. Se souber de algo agradeço muito. Meu e-mail é juliana.dcarneiro@gmail.com.
Obrigada,

Juliana.

Suzane disse...

Sou Suzane Kelly hoje estive em um asilo de lagoa Santa sentada ao lado da filha de Arnaldo marchesotti, (Vera marchesotti) ela me contou toda essa história e eu vim averiguar na internet se realmente o pai dela seria uma pessoa tão importante na história do nosso Brasil e realmente tudo oq ela me disse estava nessa matéria e eu achei muito legal tudo isso. Vera marchesotti e uma idosa encantadora que tricota muito bem seus cachecóis.

Carlos Frederico Vaz de Carvalho disse...

O pianista Arnaldo Marchezotti foi contratado por meu pai, Carlos Vaz de Carvalho, um mecenas da música em Belo Horizonte, para tocar no "Sétimo Céu" - um encontro semanal de adeptos da música clássica - que acontecia religiosamente em sua casa na rua Campanha, no bairro do Carmo. O motivo de sua contratação deveu-se à falta rotineira de eletricidade da época. Sua presença se encontra registrada nos anais do Sétimo Céu e estes se encontram, atualmente, aos cuidados do Arquivo Público de Belo Horizonte. Carlos Vaz de Carvalho era o diretor da Casa Guanabara; foi um dos fundadores da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, foi um dos diretores da Cultura Artística de Minas Gerais, tendo recebido, postumamente, um busto em homenagem a seu empenho pela música. Este busto se encontra defronte ao Teatro Francisco Nunes em Belo Horizonte.

Jairo Barreto Mansur disse...

Oi Ana Paula! Sou Jairo Barreto Mansur, filho da Iris Bossi, irmã da saudosa tia Tété. Nélson Freire morreu hoje e tive vontade de pesquisar sobre o tio Arnaldo. Quê boas lembranças tenho de toda família Marchesotti, da rua Cícero Ferreira, da rua Santos Boschi, dos domingos no trampolin da Lagoa Santa, das minhas idas acompanhando vóvó Nina nas casas de vocês, onde exalava cultura, música e política. A tia e os primos amorosos eram uma constante. No domingo que o tio nos deixou, fomos em Lagoa Santa e tive a honra de ajudar a carregar seu corpo inerte até o rabecão. Tinha 21 anos e nunca me esqueci daquele triste momento. Hoje tenho 63 anos, a mesma idade que tinha o grande artista e tio Arnaldo. Um beijão para você e toda querida família!!!! Deus os abençoe!!!!