quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Reencontros com nosso passado provocam grande emoção!!!



A grande polêmica quanto ao Repatriamento de bens culturais que, por motivos diversos, estão fora de seus países de origem está na pauta mundial. Esses bens fazem parte da Identidade Cultural dos povos e a eles pertencem. Segundo o dicionário Aurélio, a palavra “repatriamento” deriva do latim (re + patria) e significa trazer de volta ou regressar para o lugar de origem, terra ou aldeia natal.

O Brasil tem muitos de seus bens culturais apartados de seus verdadeiros proprietários. Outro dia assisti a cena do retorno de uma imagem de um santo barroco à Igreja da qual tinha sido roubada e, posteriormente, vendida a um colecionador estrangeiro. A chegada da imagem causou grande emoção, pois para a maioria das pessoas ela não tem apenas um valor artístico e econômico. A imagem faz parte de sua Identidade Cultural, evocando emoções e memórias profundas.

Objetos naturais e minerais, inclusive os fósseis encontrados em nossas cavernas, são considerados Patrimônio Cultural Brasileiro, pois revelam nossa História e nossas origens mais remotas Atualmente há leis que protegem o acervo fóssil do país proibindo seu envio para o exterior. Mas nem sempre foi assim.

O naturalista dinamarquês Peter W, Lund sofre muitas críticas pelo fato de ter enviado a numerosa coleção de fósseis retirados das entranhas das cavernas mineiras para a Dinamarca. Essas críticas são fruto do desconhecimento do contexto histórico da época e de fatos que aqui relatarei. Não podemos julgar atos do passado com os valores atuais.

Lund enviou sua coleção em 1846 para uma renomada instituição de pesquisa de Copenhague na qual sabia que seria conservada e estudada. Até mesmo os jornais que embalavam os fósseis estão bem guardados na Dinamarca. No Brasil não havia nenhuma instituição preparada para receber tal acervo nem cientistas qualificados para estudá-lo. Lund recebeu financiamento do governo dinamarquês para suas pesquisas em troca do envio dessas coleções para museus e instituições de seu país. Apesar do financiamento ser irrisório perto dos enormes gastos pessoais despendidos nas escavações, Lund se sentia devedor e comprometido com o governo da Dinamarca.

Além disso, não podemos esquecer a realidade da época. Não havia a consciência de Patrimônio Nacional que vemos hoje. A prática dos naturalistas estrangeiros era levarem consigo tudo que coletavam nos países visitados para seus países de origem. Não havia nenhum questionamento quanto a isso.

Lund seguiu essa prática e cumpriu seu compromisso com o governo dinamarquês, porém preocupou-se em deixar parte de seu acervo no Brasil. Doou ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) um crânio característico da raça de Lagoa Santa, quatro maxilares com a dentição para que pudessem ser observadas suas especificidades, dois fragmentos de ossos em diferentes estados de petrificação e uma rocha na qual foram retirados os fósseis. Apesar de reduzida, essa doação era bastante representativa e didática. Lamentavelmente, apenas o crânio sobreviveu ao descaso e disputas entre instituições de pesquisa brasileiras.

Essa doação poderia ter sido maior se Lund tivesse recebido mais rapidamente uma correspondência do IHGB solicitando que lhes enviasse objetos de História Natural para o Museu que estava em formação. A carta demorou meses para vir do RJ a Lagoa Santa e, quando chegou, a coleção de Lund já havia partido para Dinamarca. Compreendo que o envio dos fósseis de nossas cavernas para a Dinamarca foi legítimo, que as atitudes de Lund e dos naturalistas em geral são compreensíveis sob a luz de seu tempo. Chego a ficar aliviada ao pensar que toda essa riqueza ficou tão bem guardada em Copenhague, mas a realidade brasileira é outra hoje.

O Brasil conta com cientistas de ponta e instituições de pesquisa capazes de abrigar acervos de qualquer natureza. É com alegria e ansiedade que aguardamos a inauguração do Centro Receptivo Turístico da Lapinha / Lagoa Santa.



Esse espaço terá atividades educativas, culturais, turísticas e científicas e acolherá parte da coleção de Peter Lund que se encontra na Dinamarca. Os brasileiros poderão, enfim, ter acesso a objetos que contam a História da Humanidade e que foram resgatados tão perto de nós. Será uma emoção o encontro com nossas raízes mais remotas e com objetos que contam nossa História!!!

Os Estrangeiros descobrem Minas Gerais!!!





A atração e adoção de Minas Gerais como pátria por estrangeiros de várias nacionalidades vem de longe!!! O século XIX presenciou uma grande onda de estrangeiros que vieram desbravar as riquezas naturais do Brasil. Apesar dos trópicos sempre despertarem o interesse de aventureiros do mundo inteiro, isso só se tornou possível com a chegada da Família Real Portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808. Durante todo o período colonial houve medidas restritivas que impediam a entrada de estrangeiros em solo brasileiro. Procurava-se, desta forma, manter fora do alcance de outras nações conhecimentos acerca das riquezas brasileiras. A suspensão dessas restrições a partir de 1808 provocou uma verdadeira febre de expedições científicas ao país, além da entrada de inúmeros viajantes estrangeiros com finalidades diversas. Muitos deles se dirigiram à Minas Gerais...

Diplomatas, aventureiros, comerciantes, artistas, engenheiros, turistas, missionários e cientistas de várias nacionalidades passaram a percorrer o território brasileiro e difundir em outros continentes suas belezas naturais, populações, hábitos e costumes. Viajantes estrangeiros estiveram na linha de frente das descobertas científicas em Minas Gerais. As entranhas mineiras não revelaram aos seus desbravadores apenas os famosos metais e pedras preciosas. Paisagens exuberantes, fauna e flora imprevisíveis, fósseis que abalaram teorias e inauguraram ciências,... Muitas foram as surpresas encontradas por aqueles que ousaram explorar o sertão das Gerais durante o Império.

As viagens eram desgastantes, imprevisíveis e perigosas. Os viajantes percorriam por meses ou anos regiões inóspitas, desconhecidas e nem sequer mapeadas. Ficavam expostos às doenças, roubos, ataques de animais e índios, intempéries climáticas e às dificuldades práticas de encontrar abrigo, auxiliares, transporte, alimentos e recursos adequados. O encontro com cenário tropical e seus “selvagens” habitantes era surpreendente e, muitas vezes, chocante. Não foi diferente o encontro da sedenta leva de estrangeiros com o sertão de Minas Gerais.

Como já dizia Guimarães Rosa, Minas são muitas. No século XIX a Minas das grandes vilas auríferas do século XVIII e das futuras lavouras de café contrastava com a Minas do Sertão, o reino das florestas-anãs. Foi essa Minas sertaneja que atraiu e fascinou a maior parte dos naturalistas estrangeiros, ao contrário dos brasileiros que, em geral, detinham-se às regiões mineradoras.

O que atraía os estrangeiros não se encontrava nos grandes centros e cidades, mas sim na natureza própria e única da região. As cidades eram vistas como uma imitação mal feita das cidades europeias; já a natureza e a sociedade, como inigualáveis e, portanto, dignas de atenção e estudos.

Virgil Von Helmreichen, Heinrich W.F. Halfeld, Emmanuel Liais, Peter Claussen, Richard Burton, Hermann Burmeister, Francis Castelnau, Henri Gorceix, Marianne North, Louis Agassiz, Eugene Warming, J. Reinhardt, Peter Wilhelm Lund foram alguns desses estrangeiros que revelaram ao mundo as riquezas naturais e humanas das Minas Gerais. Alguns estiveram por aqui de passagem, mas deixaram suas marcas através de estudos, relatos e imagens. Outros sucumbiram diante dos encantos mineiros e viveram durante anos, ou por toda a vida, a pesquisar suas riquezas naturais. O dinamarquês Peter Lund foi um desses e viveu em Lagoa Santa por mais de 40 anos.

Estrangeiros “descobriram” Minas Gerais no século XIX e continuaram a “descobri-la” ao longo dos séculos XX e XXI. Afinal, Minas continua presenteando aqueles que a encontram com riquezas naturais, culturais e humanas de tirar o fôlego.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A arte contemporânea não perdeu a fantasia e a imaginação.



Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares. (BRETON, 1924)

Nas primeiras décadas do século XX a Humanidade se desiludia com os desdobramentos do aclamado progresso e da racionalidade da civilização ocidental. O mundo se recuperava e se reconstruía sob os escombros de uma guerra mundial. Foi nesse cenário que surgiram diversas vanguardas artísticas conhecidas por Vanguardas Modernistas. Como o próprio termo vanguarda representa, carregavam consigo a ideia do novo e da ruptura.

A arte distancia-se da natureza e cria um novo mundo. Alterando a estrutura espacial utilizada no renascimento, busca novas formas de traduzir um novo espaço. A perspectiva renascentista e seu desejo de reproduzir o mundo o mais fielmente possível, será relegado para dentro das objetivas das câmaras fotográficas e cinematográficas. Liberadas de uma certa função reprodutora e identificatória, as artes plásticas ficam mais próximas das letras e da poesia, com toda a possibilidade de criar imagens que essas possuem. (TAVARES, 2012)

Os artistas modernistas externavam suas angustias, sonhos e questionamentos através de uma arte que mudava o foco do olhar e enxergava além da realidade natural. Além das exposições das obras, eram feitos estudos, propostas artísticas, publicações de Manifestos, em torno das quais tendências e grupos eram constituídos.

O movimento artístico conhecido por Surrealismo foi muito longe nessa proposta e nos conduziu ao mundo do imaginário, do onírico, do irracional e do subconsciente. Contrapunha-se, desta forma, a algumas propostas formalistas e racionalistas da época. Embasados nas idéias de Sigmund Freud, os surrealistas procuravam afrouxar o autocontrole racional do artista possibilitando, assim, o acesso ao subconsciente e seus instintos selvagens.

Há uma tendência a se associar o Surrealismo a algo fora da realidade. No entanto, ele representou “o anseio dos jovens artistas de criarem algo mais real do que a própria realidade, quer dizer, algo de maior significado do que a mera cópia daquilo que vemos.” (GOMBRICH, 1988, p. 47)

O Surrealismo é um movimento historicamente datado que nasceu com o Manifesto Surrealista de André Breton de 1924, mas continua vivo influenciando artistas contemporâneos de todo o mundo.

Vladimir Kush: um “surrealista” contemporâneo

Vladimir Kush é um artista contemporâneo, em plena atividade, que apresenta em seu trabalho fortes influências surrealistas. Suas telas são classificadas como pertencentes ao movimento do “Realismo Metafórico” ou “Realismo de Metamorfose”. Porém, seguindo a tendência da Arte Contemporânea, Kush não se enquadra em nenhuma tendência ou estilo artístico delimitado, sequer pertence a algum grupo ou movimento artístico constituído e reconhecido como tal.

Vladimir Kush nasceu em Moscou em 1965 e foi incentivado pelo pai a realizar grandes viagens pela literatura e pela História da Arte. Iniciou seus estudos em escolas de arte aos 7 anos e, aos 17, ingressou no Instituto de Belas Artes de Moscou. Para sobreviver, Kush pintava retratos nas ruas da empobrecida Rússia de fins do século XX.

Na década de 40, o artista migrou para os Estados Unidos e, após alguns anos pintando retratos nas ruas de Los Angeles, teve seu trabalho reconhecido pela crítica e público. Em 2001 abriu sua primeira galeria e, atualmente, tem quatro galerias nos Estados Unidos onde expõe seu trabalho.

O artista e sua obra

Barcos que tem como velas borboletas ou flores, pontes em forma de sapato, nuvens que formam balões, são algumas das representações de forte cunho surrealista de Kush. As imagens conduzem nosso olhar ao mundo dos sonhos e da fantasia, muitas vezes associado ao imaginário infantil.

Vladimir Kush fez várias experiências artísticas antes de se encantar com o Surrealismo. Suas primeiras obras apresentam diversificadas influências impressionistas, mas a descoberta da obra de Salvador Dali transformou sua produção artística.

Essa obra de Vladimir Kush expressa sua visão pessoal sobre as destemidas batalhas do cavaleiro andante Dom Quixote de La Mancha com os moinhos de vento. Dom Quixote - personagem inesquecível de Miguel de Cervantes - era um leitor obsessivo de livros de cavalaria e passou a viver em um mundo imaginário de aventuras e batalhas medievais, onde ele era o cavaleiro heróico. O mundo de Quixote era o mundo imaginário dos romances que lera. Seu duelo com os moinhos de vento é um dos trechos mais marcantes da obra. Dom Quixote em sua “loucura” acreditava que os moinhos eram gigantes malfeitores e travou com eles uma memorável batalha. Dom Quixote é um personagem inspirador para os artistas, sobretudo para aqueles que defendem a imaginação, o sonho, o delírio e a “loucura” como elementos fundamentais para a arte. Para os surrealistas e artistas contemporâneos de influência surrealista, Dom Quixote é um ícone.

“Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.” (BRETON, 1924)

Vladimir Kush, assim como Quixote, vê os moinhos de vento sob a ótica da sua imaginação. Na representação do artista, o duelo do cavaleiro andante não é com gigantes inimigos e sim com belas e enormes borboletas. A arma utilizada é uma inofensiva rede que capta sua beleza e não as destrói. As imagens oníricas de Kush nos revelam uma busca de perfeição das cores e de desenhos, porém não na dimensão do real, mas sim da fantasia.

Encontramos elementos surreais, repleto de ilusões óticas, imagens “impossíveis” e metafóricas que sinalizam a influência do Surrealismo na obra do artista. O Tema retratado uniu Vladimir Kush e o mais consagrado surrealista da História: o espanhol Salvador Dali. A batalha de Quixote também mereceu o registro pictórico de Dali que deixou sua visão imaginária do episódio e sua crítica ao racionalismo na arte



As Vanguardas Modernas se fazem presentes na Arte Contemporânea.

Antes da filosofia e da ciência, o homem via o mundo conforme sua fantasia: as árvores, as pedras, os rios tinham alma, olhos e pensamento. Essa visão mágica do real foi sendo afugentada à medida que se desenvolviam as explicações racionais; refugiou-se nas culturas indígenas sobreviventes, nas crianças e nos artistas (GULLAR, 2003, p.89)

Atualmente, não temos mais movimentos artísticos organizados e bem delineados como havia nas Vanguardas Modernas. Não há grupos de artistas unidos em torno de uma narrativa ou proposta artística definida, não há grandes manifestos artísticos publicados. Porém, as possibilidades artísticas que nasceram no mundo moderno permanecem vivas nas intenções artísticas, obras e traços dos artistas contemporâneos que, como Vladimir Kush e tantos outros, enchem nossa vida de beleza e emoção. Afinal, como nos diz Ferreira Gullar: “[...] quantas maneiras tem a pintura de nos revelar a beleza da vida!” (GULLAR, 2003,p.35)



BIBLIOGRAFIA

ARTIST’ BIOGRAPHY. Biography Vladimir Kush. Disponível em HTTP://vladimirkush.com/biography Acesso em 25 de maio de 2012.

BRETON, André. O Manifesto do Surrealismo. 1924. Disponível em http://www.culturabrasil.pro.br/breton.htm Acesso em 26 de maio 2012

ENCICLOPÉDIA DE ARTES VISUAIS DO ITAÚ CULTURAL. Surrealismo. Disponível em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3650&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=8 Acesso em 26 de maio 2012

GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.

GULLAR, Ferreira. Relâmpagos – dizer o ver. São Paulo:Cosac & Naify, 2003. TAVARES, Mirian. Surrealismo: a revolução pela arte. Disponível em www.intermidias.com/txt/ed9/mirian tavares_surrealismo.pdf Acesso em 26 de maio 2012

terça-feira, 10 de julho de 2012

Entrevista da historiadora Ana Paula Marchesotti no Caderno PENSAR do JORNAL ESTADO DE MINAS



O cientista e seu tempo Biografia de Peter Lund é exemplo de pesquisa que evidencia o vínculo entre o paleontólogo e sua época.

João Paulo



Em sua pesquisa, Ana Paula Marchesotti faz questão de destacar a importância de Peter Lund para a ciência brasileira, mesmo sob o signo da ambigidade dos paradigmas de seu tempo. Se para muitos historiadores da ciência o trabalho do cientista dinamarquês responde por ideias que foram ultrapassadas pelo evolucionismo, nem por isso deixou de sistematizar reflexões, a partir de suas observações, que se adiantam aos conceitos da época. “Encontrei em minhas pesquisas um homem sintonizado com o pensamento científico de sua época, mas que ousou interpretações inovadoras e polêmicas”, afirma a historiadora. E completa: “Suas análises paleontológicas e teorias sobre a ocupação humana na América dialogam com pesquisas recentes sobre o tema”. Peter Lund deve muito a Lagoa Santa e região. Mas não deixou de ser uma troca justa: graças a ele, um pequeno arraial perdido no interior brasileiro se tornou uma referência para a paleontologia em todo o mundo, com repercussões ainda hoje marcantes na pesquisa da origens dos povos americanos.

Em que o trabalho de Lund responde ao conhecimento científico de seu tempo e em que ele avança e aponta novos caminhos?

Lund é muitas vezes apresentado como homem apegado a teorias ultrapassadas (catastrofismo) e que não aceitou o evolucionismo e os avanços da ciência de seu tempo. Na verdade, o que encontrei em minhas pesquisas foi um homem sintonizado com o pensamento científico de sua época, que ousou interpretações inovadoras e polêmicas. Ele relatou pela primeira vez as peculiaridades morfológicas dos povos primitivos que habitavam a região do Vale do Rio das Velhas que os diferenciavam da raça mongólica que teria dado origem aos indígenas sul-americanos. Além disso, demonstrou por suas pesquisas que esses povos primitivos coexistiram com os gigantescos mamíferos extintos, negando assim teorias de criação de sua época. Lund viveu as ambiguidades que marcaram o século 19 e contribuiu para suas mudanças.

A obra de Lund tem repercussão fora do Brasil no seu tempo?

Ele publicou o resultado de suas pesquisas no Brasil em revistas estrangeiras através de memórias, similares aos atuais artigos científicos. Porém, suas conclusões acerca das peculiaridades morfológicas dos crânios humanos foram imediatamente publicadas no Brasil, mas não na Europa.

Em que condições Peter Lund trabalhou, que dificuldades teve que superar, como era o cotidiano de um naturalista no Brasil da época?

Ele enfrentou as mesmas dificuldades que enfrentaram os naturalistas que visitaram o Brasil ao longo do século 19. As viagens eram desgastantes, imprevisíveis e perigosas. Os viajantes percorriam por meses ou anos regiões inóspitas, desconhecidas e nem sequer mapeadas. Ficavam expostos às doenças, roubos, ataques de animais e índios, intempéries climáticas e às dificuldades práticas de encontrar abrigo, auxiliares, transporte, alimentos e recursos adequados. O encontro com cenário tropical e seus “selvagens” habitantes era surpreendente e, muitas vezes, chocante. Não foi diferente o encontro Peter Lund com o sertão de Minas Gerais.

Que relação ele teve com outros cientistas e como lidava com o isolamento em seu trabalho de campo e com poucos interlocutores?

Lund certamente sofreu as consequências de viver no sertão mineiro, longe dos grandes centros científicos e culturais. Muitas vezes se queixou disso em cartas. No entanto, procurava manter-se informado do que ocorria através de revistas e jornais nacionais e estrangeiros, assídua correspondência com família, amigos, cientistas das mais diversas áreas e sociedades científicas. As frequentes visitas de viajantes estrangeiros e contratação de auxiliares estrangeiros favoreciam o diálogo com a comunidade científica internacional.

Como Lund se relacionava com a comunidade científica brasileira e europeia?

Na minha pesquisa esperava encontrar maiores vínculos de Lund com a comunidade científica brasileira. Na verdade, ele teve uma ligação institucional apenas com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no qual foi admitido como membro honorário em 1838. Durante anos manteve correspondências e publicações na Revista do IHGB e doou alguns exemplares de seu acervo de fósseis à instituição. Quanto à comunidade europeia, ele construiu uma rede de correspondentes e interlocutores durante sua viagem pelos grandes centros europeus. Mantinha frequente contato e publicações em sociedades científicas dinamarquesas e francesas, além das correspondências e visitas de cientistas de diversas nacionalidades.

Como Peter Lund lidava com o brasileiro comum, ele tinha afeição pelo Brasil e por sua gente?

Lund era considerado um excêntrico pelos brasileiros, mas também era visto como homem justo e culto. Atendia gratuitamente a população como médico, dava aulas às crianças da comunidade, criou a Banda de Música Santa Cecília doando-lhe os instrumentos e ensinando os fundamentos musicais aos seus membros. Era consultado pela população sobre os mais diversos assuntos, já que era tido como referência de sabedoria. Certamente sentia falta do contato com os cultos europeus, mas sentia-se ocupado e à vontade na sociedade mineira.

O que, em sua obra, ainda é importante para a ciência brasileira?

Cientistas das mais diversas áreas ainda se debruçam sobre seu acervo e seus escritos. Seus relatos de botânica foram fundamentais para o surgimento da fitoecologia moderna; suas descrições sobre a fauna de mamíferos da região do Vale do Rio das Velhas são uma referência para os estudos zoológicos atuais; suas observações geológicas sobre a formação das cavernas são frequentemente citadas entre geólogos e espeleólogos. Sobretudo, suas análises paleontológicas e teorias sobre a ocupação humana na América dialogam com pesquisas recentes sobre o tema.

O que, em sua avaliação, significa a opção de Lund por permanecer em Lagoa Santa até sua morte?

Muitos têm sido os motivos apontados para a permanência de Lund no Brasil depois do fim de suas escavações nas cavernas: problemas de saúde, dificuldades financeiras, conflitos existenciais decorrentes de suas descobertas, insegurança diante do isolamento cientifico a que estava fadado em Lagoa Santa, problemas de saúde, dificuldades da viagem. Possivelmente, todos esses motivos tenham contribuído para sua decisão de permanecer no Brasil, mas de forma isolada podem ser facilmente contestados. Ele já estava plenamente adaptado à vida pacata de Lagoa Santa e preferiu ficar por aqui.

Por que o interesse sobre a vida de cientistas ainda é pequeno entre nós e há tão poucas biografias?

A história das ciências só surgiu como uma disciplina independente nos Estados Unidos na segunda metade do século 19 e era escrita pelos próprios cientistas que queriam passar uma imagem de progresso da ciência. Foi sofrendo transformações no mundo e no Brasil, mas ainda tem muito espaço a conquistar. Acredito que maiores estudos e publicações sobre a história das ciências e biografias de cientistas poderão contribuir muito para a compreensão da trama sociocultural de cada época.

Lund foi personagem do romance Na trilha de Lagoa Santa, de Henrik Stangerup, já publicado no Brasil, que o coloca em meio à polêmica entre ciência e religião. Esse era um dilema real de Peter Lund? O livro de Stangerup focou muito a polêmica entre ciência e religião, tema instigante para o enredo de um romance. No entanto, não teve uma relevância tão forte na vida de Lund. Peter Lund, apesar da formação protestante, não era seguidor de nenhuma religião e se dizia “livre pensador”. Reflexões de cunho filosófico e religioso estão presentes em correspondências com o amigo de infância e bispo Peter Christian Kierkegaard (irmão do famoso filósofo Soren Kierkegaard), mas não o impediram de relatar suas descobertas e expressar conclusões científicas que contradiziam as ideias religiosas da época.



Estado de Minas - Caderno Pensar _ João Paulo 05/05/2012

Sessão comentada sobre o documentário O LEGADO DE LUND com a participação da historiadora Ana Paula Marchesotti



O LEGADO DE LUND A vida do "pai da Paleontologia brasileira" é tema de sessão comentada no Museu das Minas e do Metal em Belo Horizonte Por Luciana Amormino http://www.mmm.org.br/index.php?p=9&pa=ini&n=285

Um sujeito histórico, que reuniu em sua trajetória ambiguidades e contradições próprias do seu tempo. Foi assim que Ana Paula Almeida Marchesotti definiu Peter Lund, na sessão comentada do episódio “O legado de Lund”, da série “Pré-história em Minas Gerais”, do programa Bem Cultural da Rede Minas, realizada na última quinta-feira, dia 07 de junho, no Museu das Minas e do Metal. Mestre em História na linha Cultura e Ciência na História pela UFMG, Ana Paula é autora do livro “Peter Wilhelm Lund: o naturalista que revelou ao mundo a pré-história brasileira” (E-Papers, 2011) e pôde debater com os presentes vários pontos interessantes sobre o naturalista dinamarquês que se instalou em Lagoa Santa (MG), no século XIX.As descobertas de Lund nas terras de Lagoa Santa, especialmente a presença de ossos humanos em meio aos de animais pré-históricos, foram determinantes para o fim da teoria do catastrofismo que predominava na época. Compreender os seres humanos convivendo no mesmo tempo que os animais gigantes que habitavam a terra trouxe uma nova perspectiva para o entendimento da evolução das espécies, que Darwin viria a defender, em 1859.

Além dessas descobertas, o fato de Lund ser um colecionador, cuidadoso em fazer registros completos de tudo o que encontrava nas terras mineiras, fez com que ele se diferenciasse dos seus contemporâneos. Animais pré-históricos encontrados eram catalogados, parte por parte, e colocados em comparação com animais atuais, para que se pudesse dimensionar o tamanho e as diferenças entre eles. Tudo isso foi encaminhado para a Dinamarca, por não haver aqui no Brasil uma estrutura adequada para pesquisa científica naquele período. Como o episódio apresenta, as peças deixaram o país embrulhadas em jornais brasileiros da época, que foram arquivados e se encontram na Dinamarca, podendo ser também um objeto de estudo. A coleção de Lund ajudou a desvendar os “místicos cemitérios de um mundo desaparecido”, como ele mesmo comenta em uma das muitas cartas, intituladas “Memórias”, que costumava escrever sempre com uma cópia para si. Isso mais uma vez reforça sua personalidade metódica, e, por vezes, mal interpretada: há quem o considere um gênio à frente de seu tempo, e quem o considere um eremita recluso que perdeu o trem da história.

Para a historiadora, embora haja a crítica a Lund pelo fato de ter enviado peças descobertas em solo brasileiro para a Dinamarca, duas das suas mais importantes publicações foram feitas aqui no Brasil, na revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, em 1842 e 1844, em que trata das questões mais polêmicas, como os achados humanos. Além disso, vários achados foram entregues para o então recém-criado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, mas se perderam e somente um crânio restou

Os participantes fizeram várias questões interessantes para a historiadora, a respeito do financiamento à pesquisa, de possíveis relações entre Lund e Darwin e D. Pedro II, e ainda participaram de um sorteio do livro de autoria de Ana Paula Almeida Marchesotti, tendo sido agraciado o guia de turismo Horário Lacerda. Para Horácio, que já conhecia o Museu das Minas e do Metal e sempre o recomenda para visitação aos turistas que acompanha, essa foi uma ótima oportunidade de conhecer mais sobre Peter Lund. “Achei fantástica a sessão! Foi interessante particularmente porque faço guiamento em grutas, então entender Peter Lund é fundamental”, considera. Para Ana Paula, que se encantou por ver um “museu vivo, cheio de coisas acontecendo”, esse foi um momento muito rico de diálogo com leigos e pessoas da área. “Isso demonstra como a cidade está rica, especialmente o fato de as pessoas saírem de casa para conversar sobre história e ciência num dia como este, que é feriado. Isso só me gratificou ainda mais”, comenta.

Para mais informações sobre Peter Lund e como adquirir o livro “Peter Wilhelm Lund: o naturalista que revelou ao mundo a pré-história brasileira”, entre em contato com Ana Paula, pelo email ana.marchesotti@gmail.com.

sábado, 9 de junho de 2012

Publicação do livro PETER WILHELM LUND - O NATURALISTA QUE REVELOU AO MUNDO A PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA.

Escrevi alguns artigos nesse blog a respeito do naturalista dinamarquês Peter W. Lund, sobre a História de Minas na século XIX e sobre a História das Ciências no Brasil. Agora vocês tem a oportunidade de conhecer esses e outros temas de forma mais aprofundada no livro que publiquei recentemente PETER WILHELM LUND - O NATURALISTA QUE REVELOU AO MUNDO A PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA pela Editora E-Papers do Rio de Janeiro. Esse trabalho é um desdobramento de minha dissertação de Mestrado defendida no Departamento de Pós-Graduação da UFMG. Trata-se de uma biografia científica de Peter Lund que procura analisá-lo no contexto histórico em que viveu, em toda sua singularidade. O livro encontra-se a venda em algumas livrarias e no site da Editora www.e-papers.com.br É muito bom poder dividir com vocês essa realização e alguns conhecimentos que conquistei até aqui!!! Espero os comentários dos leitores do livro no Quadros de Recados do Blog!!!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Duas mulheres se encontram em uma caverna mineira: o Brasil descobre suas remotas origens.





O encontro de duas mulheres nas entranhas das cavernas mineiras marcou a História da ciência mundial e o Brasil pôde conhecer suas origens mais remotas. Cerca de 11 mil e 500 anos as separavam. Uma precisava da outra para ganhar vida, identidade e se revelar ao mundo. A outra ganhou com a primeira notoriedade, satisfação profissional e maior respeito da comunidade científica.

Uma delas é Luzia, mulher que viveu em MG há aproximadamente 11 mil e quinhentos anos. Pertencia a um grupo nômade de caçadores-coletores que fisicamente assemelhavam-se aos aborígines africanos e australianos. Morreu com cerca de 20 anos possivelmente por um acidente ou ataque de animal. Luzia não foi enterrada segundo o ritual de seu povo. Seu corpo caiu ou foi arremessado em uma cavidade natural protegida na caverna futuramente conhecida como Lapa Vermelha IV, nos arredores de Lagoa Santa. Na época, a seca e o frio (cerca de 5 graus abaixo da temperatura atual) tornavam essa região inóspita e o povo de Luzia estava só de passagem. Coberta por 11 metros de sedimentos depositados ao longo dos séculos, Luzia descansou até ser encontrada pela equipe chefiada pela segunda mulher: Annette Laming Emperaire.

Annette era filha de diplomatas franceses e nasceu em São Petersburgo em 1917, poucos dias antes da Revolução Russa. Retornaram para a França onde graduou-se em Filosofia e especializou-se em Arqueologia. Durante a Segunda Guerra Mundial era professora e fez parte da Resistência, movimento que lutou contra a ocupação francesa pelos nazistas. Foi pesquisadora do Centre National de la Recherche Scientifique da França e se dedicou à Pré-História, especialmente ao estudo da arte rupestre da Europa Ocidental. As descobertas sobre a antiguidade da ocupação humana em Lagoa Santa que começaram com os estudos do naturalista dinamarquês Peter W. Lund no século XIX motivaram Annette a pesquisar por aqui.

Suas primeiras incursões ocorreram em 1971, mas só ganharam corpo quando se formou a Missão franco-brasileira patrocinada pela UNESCO, Ministério de Assuntos Estrangeiros da França e Museu Nacional entre 1973 e 1976. A missão tinha o objetivo de aprofundar conhecimentos já analisados por Peter Lund, inventariar sítios arqueológicos e analisar pinturas rupestres compreendendo seus significados.
Exploraram dezenas de sítios arqueológicos, mas na Lapa Vermelha IV realizaram sua grande descoberta: a ossada de Luzia, o esqueleto humano mais antigo das Américas.
Annette não teve tempo de realizar grandes publicações sobre sua descoberta, pois faleceu em 1977. Assim como Luzia, teve sua vida interrompida por trágico acidente. Seu trabalho foi posteriormente finalizado e publicado por seus assistentes. Annette é um marco na Arqueologia Brasileira, pois além da descoberta que mudou o olhar científico para a pré história americana, foi pioneira nas datações radiocarbônicas para sítios arqueológicos e estudos modernos dos sambaquis e pinturas rupestrres brasileiras. Foi fundamental na formação das novas gerações de arqueólogos brasileiros.

Após ser resgatada das profundezas da caverna mineira por Annette e sua equipe, Luzia foi novamente esquecida. Desta vez em uma das gavetas no acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Só ganhou fama internacional quando foi objeto de estudo de pesquisadores da USP, sobretudo do Prof. Walter Neves. A reconstituição de sua face ganhou visibilidade internacional e a teoria aventada por Peter Lund e defendida por importantes pesquisadores brasileiros entrou na pauta de debates internacionais: o povo de Luzia coexistiu com a megafauna primitiva (como preguiças gigantes, tigres dentes-de-sabre) e pertencia a um grupo distinto da raça mongólica que deu orígem aos indígenas americanos e ocupou a América muito antes do que se supunha; esses grupos distintos entraram no continente pelo estreito de Bering e a predominância da população com características mongólicas só ocorreu em momentos mais tardios da história humana no continente.

Desde sempre o ser humano se pergunta de onde veio. O encontro de Luzia e Annette nos possibilitou caminhar um pouco mais na busca dessa resposta, ajudando-nos a conhecer melhor nossas origens mais remotas.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Arnaldo Marchesotti: vendo o mundo através da música.



Adoro biografias históricas. Elas nos possibilitam compreender as singularidades do personagem biografado à luz de seu contexto histórico. O relato de uma trajetória particular – seja de um sujeito anônimo ou excepcional – pode ser um ponto de partida para o desvelamento da trama sócio-cultural de sua época. Farei, aqui, uma brevíssima biografia de um músico que nasceu na Itália e viveu seus últimos anos em Lagoa Santa\MG. Um homem que transpôs – com garra e humor – os obstáculos e desafios que a vida lhe oferece.

Arnaldo Marchesotti nasceu em Como, pequena cidade nos arredores de Milão, no natal de 1916. Seu pai, Ricardo, era um especialista em montagem e conserto de motores e bombas hidráulicas e foi combatente na I Guerra Mundial. Sua mãe, Ines, teve 4 filhos e todos acreditaram que a situação familiar melhoraria com o fim da guerra. No entanto, o pior ainda estava por vir: a Gripe Espanhola e o Fascismo.

A Gripe Espanhola foi uma variação da gripe comum que se tornou um inimigo ainda mais assustador que o exército adversário. Matou mais de 30 milhões de pessoas em dois anos. As primeiras notícias da doença apareceram na Espanha em 1918, mas não se tem a confirmação de que tenha surgido neste país. A doença se disseminou rapidamente pelo mundo, cerca de um terço da humanidade a contraiu e pegou em cheio a família Marchesotti.

O velho Ricardo foi quase desenganado, a filha Ângela ficou com deformação nos membros inferiores e o caçula Arnaldo perdeu totalmente a visão aos 18 meses de vida. A família ainda se recuperava do golpe, agradecendo pela vida de todos, quando veio a perseguição política.

O Fascismo, doutrina totalitária que surgiu na Itália em 1918, ganhava terreno com a chegada de Mussolini ao poder em 1922. Ricardo se opunha ao regime, teve seu local de trabalho incendiado e passou a sofrer cada vez mais perseguições. Resolveu, então, deixar a Itália e mudar com a família para o Brasil, onde um de seus irmãos fundara uma fábrica de tecidos. Havia, porém, um empecilho: Arnaldo encontrava-se internado no Instituto de Cegos de Milão desde os 3 anos e a família temia que, no Brasil, ele não tivesse oportunidades de estudo. Decidiram partir e deixa-lo na Itália até se certificarem da existência de escola especializada para cegos no Brasil. A família Marchesotti desembarcou no porto de Santos em 1926, mas Arnaldo ficou internado em Milão.

No Brasil havia duas escolas para cegos de grande prestígio: o Instituto Benjamim Constant no Rio de Janeiro e o Instituto São Rafael em Belo Horizonte. Optaram por Belo Horizonte devido à qualidade da escola e à presença do professor de música Pedro de Castro. Arnaldo já era considerado um grande talento musical e a família vislumbrava um futuro promissor para o caçula. Ines voltou à Italia para busca-lo e, após algum tempo em São Paulo, a família Marchesotti mudou-se para a jovem capital mineira.

A partir daí, Arnaldo escreveu sua própria história. Continuou seus estudos musicais de piano, aos 9 anos se apresentou no Teatro Municipal de São Paulo e aos 11 anos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, sempre com grande repercussão na mídia ressaltando sua genialidade. Em Belo Horizonte, concluiu seus estudos no Instituto São Rafael, em 1932, e também no Conservatório Mineiro de Música. Foi o primeiro pianista cego a diplomar-se no Brasil como foi amplamente divulgado pela imprensa da época. Arnaldo casou-se com a jovem Letícia e proveu o sustento dos seus sete filhos com sua arte.

Arnaldo Marchesotti teve uma carreira artística bastante intensa. Apresentou-se em mais de 150 cidades brasileiras, todas as capitais, Estados Unidos e América Latina. Realizou constante atividade radiofônica tocando na Rádio Inconfidência desde sua fundação até aposentar-se em 1968; na Rádio Ministério da Educação, Jornal do Brasil, Rádio Educadora Paulista, além de audições na TV Itacolomi e na TV Tupi. Foi crítico musical na Folha de Minas e lecionou no Instituto São Rafael por 30 anos.

Sua casa no bairro da Serra era frequentada por personalidades artísticas e intelectuais - inclusive muitos estrangeiros- o que a tornavam um agitado ponto de encontro na capital mineira. Porém, em 1969, Arnaldo optou pela tranquilidade de Lagoa Santa. vendeu sua casa em BH e mudou-se para uma casa próxima à lagoa, onde viveu seus últimos anos. Leituras em braile, estudo de idiomas (Arnaldo falava 6 idiomas) e exercícios diários ao piano faziam parte de sua rotina diária. Até que um dia de 1979 Arnaldo entrou no seu salão de música, tocou piano e não mais saiu.

Numa época em que o tema da inclusão está tão em voga, é bom refletirmos sobre a vida de um deficiente visual que enfrentou a vida com garra, qualificou-se e cavou seu espaço no mercado de trabalho. Quando lhe perguntavam sobre seu sucesso, ele respondia que era fruto de 10% de talento e 90% de muito suor. É um grande exemplo de vida que trago comigo desde a infância, pois tenho a honra de ser neta de Arnaldo Marchesotti.