quarta-feira, 11 de julho de 2012

A arte contemporânea não perdeu a fantasia e a imaginação.



Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares. (BRETON, 1924)

Nas primeiras décadas do século XX a Humanidade se desiludia com os desdobramentos do aclamado progresso e da racionalidade da civilização ocidental. O mundo se recuperava e se reconstruía sob os escombros de uma guerra mundial. Foi nesse cenário que surgiram diversas vanguardas artísticas conhecidas por Vanguardas Modernistas. Como o próprio termo vanguarda representa, carregavam consigo a ideia do novo e da ruptura.

A arte distancia-se da natureza e cria um novo mundo. Alterando a estrutura espacial utilizada no renascimento, busca novas formas de traduzir um novo espaço. A perspectiva renascentista e seu desejo de reproduzir o mundo o mais fielmente possível, será relegado para dentro das objetivas das câmaras fotográficas e cinematográficas. Liberadas de uma certa função reprodutora e identificatória, as artes plásticas ficam mais próximas das letras e da poesia, com toda a possibilidade de criar imagens que essas possuem. (TAVARES, 2012)

Os artistas modernistas externavam suas angustias, sonhos e questionamentos através de uma arte que mudava o foco do olhar e enxergava além da realidade natural. Além das exposições das obras, eram feitos estudos, propostas artísticas, publicações de Manifestos, em torno das quais tendências e grupos eram constituídos.

O movimento artístico conhecido por Surrealismo foi muito longe nessa proposta e nos conduziu ao mundo do imaginário, do onírico, do irracional e do subconsciente. Contrapunha-se, desta forma, a algumas propostas formalistas e racionalistas da época. Embasados nas idéias de Sigmund Freud, os surrealistas procuravam afrouxar o autocontrole racional do artista possibilitando, assim, o acesso ao subconsciente e seus instintos selvagens.

Há uma tendência a se associar o Surrealismo a algo fora da realidade. No entanto, ele representou “o anseio dos jovens artistas de criarem algo mais real do que a própria realidade, quer dizer, algo de maior significado do que a mera cópia daquilo que vemos.” (GOMBRICH, 1988, p. 47)

O Surrealismo é um movimento historicamente datado que nasceu com o Manifesto Surrealista de André Breton de 1924, mas continua vivo influenciando artistas contemporâneos de todo o mundo.

Vladimir Kush: um “surrealista” contemporâneo

Vladimir Kush é um artista contemporâneo, em plena atividade, que apresenta em seu trabalho fortes influências surrealistas. Suas telas são classificadas como pertencentes ao movimento do “Realismo Metafórico” ou “Realismo de Metamorfose”. Porém, seguindo a tendência da Arte Contemporânea, Kush não se enquadra em nenhuma tendência ou estilo artístico delimitado, sequer pertence a algum grupo ou movimento artístico constituído e reconhecido como tal.

Vladimir Kush nasceu em Moscou em 1965 e foi incentivado pelo pai a realizar grandes viagens pela literatura e pela História da Arte. Iniciou seus estudos em escolas de arte aos 7 anos e, aos 17, ingressou no Instituto de Belas Artes de Moscou. Para sobreviver, Kush pintava retratos nas ruas da empobrecida Rússia de fins do século XX.

Na década de 40, o artista migrou para os Estados Unidos e, após alguns anos pintando retratos nas ruas de Los Angeles, teve seu trabalho reconhecido pela crítica e público. Em 2001 abriu sua primeira galeria e, atualmente, tem quatro galerias nos Estados Unidos onde expõe seu trabalho.

O artista e sua obra

Barcos que tem como velas borboletas ou flores, pontes em forma de sapato, nuvens que formam balões, são algumas das representações de forte cunho surrealista de Kush. As imagens conduzem nosso olhar ao mundo dos sonhos e da fantasia, muitas vezes associado ao imaginário infantil.

Vladimir Kush fez várias experiências artísticas antes de se encantar com o Surrealismo. Suas primeiras obras apresentam diversificadas influências impressionistas, mas a descoberta da obra de Salvador Dali transformou sua produção artística.

Essa obra de Vladimir Kush expressa sua visão pessoal sobre as destemidas batalhas do cavaleiro andante Dom Quixote de La Mancha com os moinhos de vento. Dom Quixote - personagem inesquecível de Miguel de Cervantes - era um leitor obsessivo de livros de cavalaria e passou a viver em um mundo imaginário de aventuras e batalhas medievais, onde ele era o cavaleiro heróico. O mundo de Quixote era o mundo imaginário dos romances que lera. Seu duelo com os moinhos de vento é um dos trechos mais marcantes da obra. Dom Quixote em sua “loucura” acreditava que os moinhos eram gigantes malfeitores e travou com eles uma memorável batalha. Dom Quixote é um personagem inspirador para os artistas, sobretudo para aqueles que defendem a imaginação, o sonho, o delírio e a “loucura” como elementos fundamentais para a arte. Para os surrealistas e artistas contemporâneos de influência surrealista, Dom Quixote é um ícone.

“Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.” (BRETON, 1924)

Vladimir Kush, assim como Quixote, vê os moinhos de vento sob a ótica da sua imaginação. Na representação do artista, o duelo do cavaleiro andante não é com gigantes inimigos e sim com belas e enormes borboletas. A arma utilizada é uma inofensiva rede que capta sua beleza e não as destrói. As imagens oníricas de Kush nos revelam uma busca de perfeição das cores e de desenhos, porém não na dimensão do real, mas sim da fantasia.

Encontramos elementos surreais, repleto de ilusões óticas, imagens “impossíveis” e metafóricas que sinalizam a influência do Surrealismo na obra do artista. O Tema retratado uniu Vladimir Kush e o mais consagrado surrealista da História: o espanhol Salvador Dali. A batalha de Quixote também mereceu o registro pictórico de Dali que deixou sua visão imaginária do episódio e sua crítica ao racionalismo na arte



As Vanguardas Modernas se fazem presentes na Arte Contemporânea.

Antes da filosofia e da ciência, o homem via o mundo conforme sua fantasia: as árvores, as pedras, os rios tinham alma, olhos e pensamento. Essa visão mágica do real foi sendo afugentada à medida que se desenvolviam as explicações racionais; refugiou-se nas culturas indígenas sobreviventes, nas crianças e nos artistas (GULLAR, 2003, p.89)

Atualmente, não temos mais movimentos artísticos organizados e bem delineados como havia nas Vanguardas Modernas. Não há grupos de artistas unidos em torno de uma narrativa ou proposta artística definida, não há grandes manifestos artísticos publicados. Porém, as possibilidades artísticas que nasceram no mundo moderno permanecem vivas nas intenções artísticas, obras e traços dos artistas contemporâneos que, como Vladimir Kush e tantos outros, enchem nossa vida de beleza e emoção. Afinal, como nos diz Ferreira Gullar: “[...] quantas maneiras tem a pintura de nos revelar a beleza da vida!” (GULLAR, 2003,p.35)



BIBLIOGRAFIA

ARTIST’ BIOGRAPHY. Biography Vladimir Kush. Disponível em HTTP://vladimirkush.com/biography Acesso em 25 de maio de 2012.

BRETON, André. O Manifesto do Surrealismo. 1924. Disponível em http://www.culturabrasil.pro.br/breton.htm Acesso em 26 de maio 2012

ENCICLOPÉDIA DE ARTES VISUAIS DO ITAÚ CULTURAL. Surrealismo. Disponível em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3650&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=8 Acesso em 26 de maio 2012

GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.

GULLAR, Ferreira. Relâmpagos – dizer o ver. São Paulo:Cosac & Naify, 2003. TAVARES, Mirian. Surrealismo: a revolução pela arte. Disponível em www.intermidias.com/txt/ed9/mirian tavares_surrealismo.pdf Acesso em 26 de maio 2012

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