quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Dominar ou preservar a natureza:o dilema histórico do homem

Ao presenciarmos tantas pessoas fugindo das grandes cidades e refugiando-se entre árvores, jardins e animais, imaginamos ser essa uma busca constante do ser humano. Porém, a História nos mostra que a relação do homem com a natureza passou por várias mudanças ao longo do tempo e o sentimento que permeou essa relação foi às vezes de animosidade, temor e disputa.

Há alguns séculos atrás a idéia de impedir o desmatamento e a caça predatória pareceria absurda. A visão predominante defendia que o mundo fora criado para beneficiar o homem e que as outras espécies deveriam subordinar-se aos seus desejos e necessidades. A Bíblia reforçava essa idéia - sobretudo no livro do Gênesis - e a tradição cristã se opôs à veneração à natureza presente em cultos antigos e religiões orientais. Também a ciência ajudou a propagar essa idéia defendendo a necessidade de se conhecer profundamente a natureza para, assim, melhor dominá-la e utilizá-la a serviço da vida humana.

Criou-se uma fronteira clara entre o homem e os demais seres vivos, pois assim justificava-se toda e qualquer forma de extermínio e domesticação. Os homens estariam acima da natureza e poderiam usufruir dela a seu bel prazer.

Em fins do século XVII essa visão antropocêntrica - o homem como centro de tudo - foi ruindo e a contestação da soberania humana sobre a fauna e flora ampliou-se. Vários fatores contribuíram para esta mudança: expansão do mundo conhecido a partir do avanço da astronomia; revelação de milhares de seres desconhecidos com a introdução do microscópio; descobertas geológicas e paleontológicas sobre a real idade da Terra e de seres anteriores ao surgimento do homem. Diante dessas novas descobertas, apareceram dúvidas e hesitações quanto ao lugar do homem na natureza e sua relação com os outros seres vivos.

Despertou-se uma nova sensibilidade em relação aos animais que deveriam ser bem tratados e alguns mereceriam até um lugar especial no seio da família. Surgiram críticas quanto à domesticação, ao confinamento em zoológicos e à alimentação carnívora. Os animais eram agora vistos como criações de Deus assim como nós e teriam, portanto, direito a usufruir a vida na Terra.

Novas sensibilidades incluíram também a flora. Até o século XVIII a floresta era considerada selvagem, hostil e perigosa. Era o lar dos animais e não dos civilizados. Cabia, portanto, aos homens afastarem-se das matas ou as destruírem, já que eram obstáculos à civilização e ao progresso.

O desenvolvimento industrial e urbano trouxe consigo conseqüências nocivas à saúde dos homens e à estética do planeta, gerando um saudosismo e uma valorização do campo, das florestas e da natureza em geral. Começaram as construções de parques urbanos, cemitérios-jardins, refúgios para lazer no campo e criação de alamedas. A jardinagem não era mais uma mania dos ricos e sim um hábito generalizado. As flores não eram cultivadas apenas por suas qualidades medicinais, mas, sobretudo por suas características estéticas. As árvores eram cada vez mais valorizadas não apenas por sua utilidade, mas também por seu simbolismo. Campanhas em defesa do plantio de árvores nativas e de proteção aos animais difundiram-se e o contato direto com a natureza tornou-se uma obsessão moderna. A instalação de condomínios fechados em torno das grandes cidades fazem parte desse contexto.

O grande dilema humano da atualidade é conciliar essas novas sensibilidades e valores em relação à natureza com as exigências da modernização e do desenvolvimento econômico que ainda estão sintonizados com a antiga visão destrutiva do meio ambiente. Acredito que o primeiro passo para se mudar o mundo seja mudar o pensamento daqueles que o habitam. Partindo desse pressuposto, creio que estamos no caminho certo. Só espero que o grande dilema seja resolvido a tempo de salvar nosso planeta e todos os seus moradores, sem distinção.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti
Fonte: Revista Condomínios, v. 4, junho/2007.

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