terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ecologia Moderna: a ciência que nasceu no cerrado mineiro


Minas têm seus encantos e muitos foram os estrangeiros que sucumbiram diante deles. Abandonaram o conforto e a "civilização" européia para viverem durante anos ou por toda a vida no interior das Minas Gerais.

Coma já dizia Guimarães Rosa, Minas são muitas. A região do cerrado é uma Minas dentre tantas outras. Não tem a exuberância e beleza incontestável das florestas tropicais, no entanto, guarda segredos e riquezas que fascinam aqueles que têm a sensibilidade para descobri-los.

Alguns desbravadores do cerrado mineiro tornaram-se bastante conhecidos, como o naturalista dinamarquês Peter Lund e seu ilustrador Andréas Brandt. Convido-os agora a conhecer um pouco da história de um outro dinamarquês: Eugene Warming (1841/1924). Sei que esse nome é desconhecido para a maioria de vocês e garanto que irão se surpreender!

Warming viveu em Lagoa Santa por três anos - entre 1863 e 1866 - realizando estudos botânicos que o tornaram um marco na ciência mundial. Ao publicar sua obra "Lagoa Santa - Contribuição para a fitogeografia biológica", Warming tornou-se o Fundador da Ecologia Vegetal. Isso porque estava atento às condições de existência e não apenas às formas da flora brasileira Não é de se admirar que a Ecologia, ciência tão imprescindível no mundo moderno tenha surgido no cerrado mineiro a partir de estudos desse desconhecido dinamarquês?

Eugene Warming descobriu Lagoa Santa através de seu conterrâneo Peter Lund. Após a morte de seu auxiliar Andréas Brandt , Lund pediu a um amigo dinamarquês que lhe arranjasse um substituto. O jovem botânico foi convidado, aceitou o desafio e aos 22 anos desembarcou no Brasil rumo à longínqua Lagoa Santa. Apesar dos sacrifícios que teria que passar, era uma valiosa oportunidade de desbravar a vegetação americana.


É sempre bom lembrarmos o que representava o selvagem e desconhecido Brasil do século XIX, o inexplorado cerrado e a imprevisível aventura da viagem vivenciada por Warming e outros naturalistas deste período. As coisas mudaram muito por aqui...

Warming pretendia viver em Lagoa Santa por dois anos, tempo que achava suficiente para estudar a flora da região. Dividia seu tempo entre os estudos botânicos, expedições de coleta de plantas nos arredores da cidade e as tarefas de auxiliar o cientista Peter Lund, nesta época com seus 62 anos de idade. Esse trabalho se resumia a organizar a correspondência, escrever e ler cartas, jornais e artigos científicos recebidos por Lund, além de pequenas tarefas cotidianas. Peter Lund já havia encerrado suas expedições às cavernas e enviado sua coleção de fósseis à Dinamarca, portanto, auxiliá-lo em suas atividades ocupava pouco tempo de Eugene Warming. Ele soube aproveitar não só o tempo ocioso como também os conhecimentos de Lund a seu favor.

Lund conhecia bem a região e tinha amplos conhecimentos botânicos. Além de preciosas informações e disponibilização de livros de consulta, Lund presenteou seu auxiliar com seus escritos botânicos e seu diário da viagem empreendida entre 1833 e 1835 pelo Brasil, rico em observações sobre a vegetação brasileira. Mesmo após retornar à Dinamarca, Warming continuou em contato com Lund através de farta correspondência e envio de espécies requeridas pelo botânico.

Warming trouxe consigo uma grande novidade para a pacata Lagoa Santa: uma máquina fotográfica. Imaginem o rebuliço criado na cidade por essa recente invenção? Warming fotografou a vegetação, a cidade, figuras ilustres e também habitantes comuns de Lagoa Santa. Acredita-se que esses tenham sido os primeiros registros fotográficos desta região mineira.

Eugene Warming destacou-se na ciência mundial, ajudou a divulgar pelo mundo as maravi
lhas de Minas Gerais e eternizou imagens da nossa História e da nossa gente. Entretanto, deixou poucas marcas na memória dos mineiros tornando-o um desconhecido entre nós. Felizmente a memória não é estática. Ela é viva, dinâmica e é construída e descontruída a todo o momento pelos sujeitos históricos. Cabe a nós salvarmos a memória de Eugene Warming e tantos outros que contribuíram para sermos o que somos hoje.

Autora: Ana Paula Marchesotti
Fonte: Revista Condomínios, v.10, junho/2008

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