segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Mosteiro de Macaúbas: retrato vivo da História e religiosidade mineira.


Minas Gerais é um território cravado de religiosidade e História. Quando digo isso, não me refiro apenas às ditas “cidades históricas” (termo equivocado, já que todas as cidades são históricas) e suas deslumbrantes igrejas barrocas. A religiosidade e o culto às tradições e à História fazem parte da cultura mineira.

Um dos marcos mais impressionantes do poder da religiosidade na vida privada das pessoas é o Mosteiro de Macaúbas, situado a 12 km de Santa Luzia/MG. Atualmente o Mosteiro abriga as Irmãs da Ordem da Imaculada Conceição que vivem recolhidas em constante contemplação e oração. Porém, a história de Macaúbas já foi bem mais movimentada...

Foi criado como Recolhimento de Macaúbas por iniciativa de Félix da Costa. Natural de Penedo em Alagoas, Félix chegou à região por volta de 1711 e fixou-se no sítio denominado Macaúbas. Era devoto de Nossa Senhora da Conceição e obteve autorização do bispo para usar hábito e agenciar esmolas para construção de uma capela para invocação desta santa. Mais tarde, conseguiu autorização para fundar um Recolhimento feminino e passou a percorrer diversos arraiais arrecadando fundos para sua construção. Em 1714, Félix da Costa deu início às obras da primeira sede do Recolhimento de Macaúbas que se tornaria o primeiro Recolhimento feminino de Minas.

Os Recolhimentos femininos no Brasil Colonial e Imperial tinham a função de educar e preparar as jovens para um futuro casamento dentro dos preceitos cristãos; redimir aquelas que tivessem uma conduta moral inadequada para os padrões da época; proteger órfãs, viúvas e esposas que se encontravam desamparadas. Eram um misto de convento e educandário, espaço raro de educação formal das mulheres. Numa época em que esta educação era oferecida apenas aos homens, em Macaúbas as mulheres aprendiam a ler, escrever e calcular. Porém, poucas tiveram essa possibilidade, já que as internas precisavam oferecer um alto dote para que fossem aceitas. Era um espaço reservado à elite e às tradicionais famílias mineiras.

O Recolhimento foi se expandindo com admissão de novas internas e aumentando seu patrimônio. Além dos dotes, recebia doações de particulares e da Coroa Portuguesa. Assim acumulou terrenos, áreas de mineração, escravos, obras de arte sacra e uma nova sede foi construída. Em 1733 foi autorizada a construção do atual prédio que passou a abrigar as recolhidas a partir de 1743. Félix da Costa faleceu em 1737 e as obras foram assumidas por sua sobrinha, Madre Antônia da Conceição. Em 1806, no auge de Macaúbas, 86 mulheres estavam recolhidas e 185 escravos trabalhavam na mineração, agricultura e atendimento às internas.

Apesar de dedicado à educação desde seus primórdios, a partir de 1846 Macaúbas foi oficialmente qualificado como Recolhimento e Colégio, situação que vigorou até a década de 30. O Padre Antônio Torres, do tradicional Colégio Caraça, foi o responsável pela reformulação de Macaúbas que se tornou uma referência nacional. No entanto, as mudanças vivenciadas pela sociedade, a concorrência com outras instituições educacionais que surgiam e a crise econômica interna advinda de administrações ineficientes provocaram a decadência e fechamento do Recolhimento/ Colégio de Macaúbas. Ele foi transformado em Mosteiro e sua edificação tombada pelo IPHAN e IEPHA-MG. Hoje é, sem dúvida, um dos mais preciosos patrimônios de Minas Gerais.

Nessa longa existência, Macaúbas foi palco de histórias pitorescas e curiosas. Sua própria criação foi fruto da pressão de colonos que queriam uma “saída honrosa” para as filhas não casáveis e que não tinham, no Brasil, a possibilidade de serem colocadas em conventos tradicionais. Isso porque, a Coroa Portuguesa dificultava a abertura de conventos, já que havia carência de mulheres na colônia e não seria interessante que as poucas disponíveis se tornassem reclusas e celibatárias.

Se para algumas, Macaúbas representava proteção ou possibilidade de formação; para outras era sinônimo de reclusão e punição. Mulheres infiéis ou suspeitas de condutas inadequadas; esposas e filhas solteiras de homens ausentes em viagens ou outros motivos; viúvas e órfãs eram afastadas da sociedade e obrigadas a viver na rígida disciplina de Macaúbas, muitas vezes contra o seu desejo.

Ao se internar no Recolhimento, as mulheres se fechavam para vida mundana, trocavam os nomes, usavam o hábito de Nossa Senhora da Conceição, mantinham uma rotina de silêncio, humildade e oração. Evidentemente, com o passar dos anos, as regras do Recolhimento foram se adaptando ao mundo, mas sempre guardando seus preceitos básicos.

Quitéria Rita - filha da lendária Chica da Silva – viveu em Macaúbas por 15 anos juntamente com suas filhas. Reclusa, aguardou o retorno de seu amante, Padre Rolim, que vivia um exílio decorrente de seu envolvimento na Inconfidência Mineira. Aliás, não só Quitéria, como as nove filhas de Chica da Silva com o contratador português João Fernandes de Oliveira foram internadas no Recolhimento. João Fernandes financiou a construção de uma nova ala para que elas tivessem mais conforto e de uma casa anexa para que Chica da Silva se hospedasse durante suas visitas às filhas.

Quantas histórias e sentimentos antagônicos aquelas paredes presenciaram: saudade, lamento, indignação, desamparo; alegria, cumplicidade, esperança e muita paz. Aliás, Paz é o sentimento que me envolve ao visitar o Mosteiro de Macaúbas. Ele é uma fonte viva de História, religiosidade, beleza artística, arquitetônica e natural, meditação e muita, muita Paz.

Autora: Ana Paula A. Marchesotti.
Fonte: Revista Condomínios, v.13. dez/2008

Um comentário:

Jusça disse...

Trabalho com o Mosteiro há décadas e nunca vi um texto tão bem feito como este. Parabéns! Este ano estou preparando um livro em comemoração aos 300 anos do Mosteiro.
Abraço,
Maria Juscelina - Historiadora