segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Peter Lund: o homem que não temia desafios


A paisagem natural, flora e fauna da região do Rio das Velhas despertaram o nteresse de muitos cientistas e viajantes ao longo do tempo. Alguns passaram rapidamente por Minas Gerais; outros aqui se estabeleceram por algum tempo, a fim de analisarem mais detidamente a riqueza natural da região.Poucos, porém, optaram por viver definitivamente no Brasil. Um deles tornou o nome de Minas Gerais conhecido mundialmente e atraiu diversos outros estrangeiros para a região. Quem foi esse Homem? Peter Wilhelm Lund (1801/1880).

Em minhas pesquisas descobri que, apesar do nome de Peter Lund ser exaustivamente citado, poucos conhecem sua história e sua importância para a região e para a ciência brasileira. Fiz uma biografia científica de Peter Lund como dissertação de mestrado (Infelizmente, ainda não publicada por falta de patrocínios) e dividirei com vocês um pouco do que aprendi com este homem.

Nascido na Dinamarca em 14 de junho de 1801 numa abastada família de comerciantes, Peter Lund graduou-se em Letras e Medicina, mas logo foi seduzido pelas pesquisas de História Natural. Isso foi possível devido à ampla formação universitária do século XIX, bem diferente da formação fragmentada de hoje.

Decidido a ser um naturalista, Lund fez sua primeira viagem ao Brasil (1825/1829) na qual restringiu-se à província do Rio de Janeiro e às pesquisas botânicas e zoológicas. Dias antes de sua chegada nascera o herdeiro do trono brasileiro - o futuro D. Pedro II - e Lund se deparou com um país em festa. O que terá pensado o rico e culto dinamarquês diante de um cenário e povo tão diverso do seu?

O estranhamento sentido não o impediu de retornar ao Brasil em 1833 (ou foi exatamente o que o atraiu?), após um período na Europa travando contato com grandes cientistas. No Rio de Janeiro conheceu o botânico alemão Ludwig Riedel e viajaram juntos pelo interior do país pesquisando a peculiar flora brasileira. Em Minas, os planos de Lund seriam definitivamente transformados.

Em Curvelo, os naturalistas se encontram casualmente com outro dinamarquês, Peter Claussen, que os apresentou às ossadas encontradas nas cavernas da região e às belezas escondidas nas profundezas do solo brasileiro. Lund viu-se fascinado pelas potencialidades científicas das cavernas mineiras e, após se separar de Riedel em Ouro Preto, retornou às cavernas que tanto o atraíam e que assim descreveu: "Confesso que nunca meus olhos viram nada de mais belo e magnífico nos domínios da natureza e da arte."

Após divergências com Claussen, Lund partiu para explorar outras cavernas no Vale do Rio das Velhas, fixou-se em Lagoa Santa e explorou seu entorno por cerca de dez anos, coletando e estudando os fósseis encontrados. Realizou importantes estudos sobre a fauna de mamíferos do Vale do Rio das Velhas, as peculiaridades de sua população pré-histórica, achados arqueológicos, pinturas rupestres e ocupação da América.

Seus estudos o tornaram uma referência em diversas áreas - Arqueologia, Zoologia, Botânica, Espeleologia - e o Fundador da Paleontologia Brasileira. Lund não foi o primeiro a falar de fósseis no Brasil, mas o primeiro a se dedicar de forma específica e sistemática a esse objeto de estudo.

Surpreendentemente, após estudos tão consistentes, Lund encerrou suas atividades exploratórias nas cavernas em 1845, enviou sua grandiosa coleção para a Dinamarca e permaneceu em Lagoa Santa até sua morte. Muitos têm sido os motivos apontados para essa atitude extremada: problemas de saúde; dificuldades financeiras; conflitos existenciais diante de descobertas que negavam teorias nas quais foi formado; afastamento da comunidade científica a que estava fadado em Lagoa Santa,... Possivelmente todos esses motivos tenham contribuído para sua decisão.

Essa atitude torna-se inteligível quando verificamos que Lund nunca temeu mudanças e desafios em sua vida profissional. Rompeu a tradição familiar de grandes comerciantes para seguir a carreira acadêmica; abandonou a promissora profissão médica para praticar a História Natural; deixou de dedicar-se à Zoologia e Botânica para penetrar em um novo campo de pesquisa: a Paleontologia. Mais tarde, teve a coragem de se desvencilhar dos fósseis que lhe custaram tantos anos de árduo trabalho para exercer ou-tras formas de atividade científica no Brasil, sem jamais retornar à Europa.

Peter Lund foi um homem surpreendente e apaixonante exatamente porque foi humano e, como tal, muitas vezes ambíguo, contraditório e incompreensível. Viveu quase 50 anos entre nós, optou por ser enterrado sob um pequizeiro do cerrado mineiro e nos deixou grandes lições de vida e contribuições científicas. Portanto, está passando da hora de conhecermos melhor esse dinamarquês tão mineiro que faz parte de nossa História e identidade cultural.

Autora: Ana Paula A.Marchesotti
Fonte: Revista Condomínios, v.2, fev/2007

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