quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Peter W. Lund: um pouco de sua História.

Era quase noite quando, em 17 de outubro de 1835, o dinamarquês Peter W. Lund chegou ao Arraial de Nossa Senhora da Saúde de Lagoa Santa, uma pequena povoação de não mais do que sessenta casas. Lund visitara o lugar um ano antes, mas agora vinha para ficar. Queria uma base permanente para explorar as cavernas que rodeavam a vila. Fascinado pelos recentes achados fósseis, sabia que esse trabalho retardaria em muito seu retorno à Europa, o que nunca aconteceu. Viveu em Lagoa Santa até sua morte, 45 anos depois.
Lund não viera ao Brasil por acaso. Após a vinda da corte portuguesa para a América em 1808, muitos cientistas estrangeiros vieram desbravar a riqueza natural brasileira. Lund - graduado em Medicina e Letras em Copenhague - desembarcou no Novo Mundo em dezembro de 1825, aos 24 anos, para realizar pesquisas no campo da História Natural. Nesta primeira estada no país concentrou-se nos estudos botânicos e zoológicos nos arredores do RJ.
Em 1929, retornou à Europa, publicou obras, inseriu-se na comunidade científica mundial e poderia ter permanecido anos pesquisando a rica coleção que levara do Brasil. Lund, porém, cedeu ao fascínio pelo desconhecido e retornou à América em 1833.
Em solo brasileiro associou-se ao botânico alemão Ludwig Riedel e percorreram diversos estados, coletando e analisando a flora tropical. Em Curvelo(MG), uma surpreendente coincidência mudou os planos de Peter Lund: um outro Peter , um outro dinamarquês cruzou seu caminho – Peter Claussen.
Claussen era fazendeiro na região e apresentou aos cientistas a riqueza fóssil do interior das cavernas mineiras. Apresentou-os também aquele que seria companheiro e auxiliar de Lund por toda a vida: Andreas Brandt. Mais tarde, Lund se separou de Riedel e de Claussen, mas nunca foi capaz de se afastar do solo mineiro.
Morando em Lagoa Santa, Lund explorou cavernas por dez anos, coletando e estudando os fósseis nelas encontrados. Tornou-se merecidamente o “Pai da Paleontologia Brasileira. Não foi o primeiro a relatar a presença de fósseis no Brasil, mas foi o pioneiro no estudo sistemático deles. ”. Aparentemente isolado nos confins de MG, publicou suas conclusões em diversas revistas estrangeiras e manteve-se em permanente contato com a comunidade científica mundial.
Peter Lund realizou importantes estudos sobre a fauna de mamíferos da região do Vale do Rio das Velhas, as peculiaridades de sua população, achados arqueológicos, análises geomorfológicas e pinturas rupestres. Encontrou na Gruta do Sumidouro fósseis humanos na mesma escala geológica e no mesmo estado de fossilização de antigos animais extintos, provando que viveram na mesma época e que a ocupação da América era bastante remota. Ao estudar os fósseis humanos, encontrou características que os diferenciavam da raça mongólica que teria dado origem aos indígenas sul-americanos. Diante disso, Lund propôs que o homem teria coexistido com os gigantescos mamíferos extintos. Concluiu que teria surgido primeiramente na América e, só posteriormente, migrado para a Ásia, onde teria dado origem à raça mongólica – o contrário do que concluem as teorias mais recentes.
Após divulgar conclusões tão polêmicas e inovadoras em sua época, em 1845, Lund encerrou suas atividades exploratórias nas cavernas e enviou sua coleção para Dinamarca (algumas peças, doou ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro). Ao contrário do que era de se esperar, permaneceu em Lagoa Santa até sua morte em 1880.
Peter Lund realizou estudos inovadores, questionou teses mundialmente aceitas em sua época, propôs interpretações que ainda hoje são discutidas pela comunidade científica internacional. Portanto, esse “mineiro” dinamarquês faz jus às diversas citações e homenagens que recebe. A maioria das pessoas, porém, desconhece os motivos de sua fama. Nunca é demais divulgar sua História e atender ao pedido de muitos leitores que sempre me pedem para retomar o tema de minha dissertação de Mestrado.



“[...] É só o que posso fazer, em honra da caverna clássica e do sábio que a indicou ao zelo das novas gerações, cuidando que, no futuro, suas investigações teriam prosseguimento, e que ali se instalaria um mutirão de pesquisadores ávidos de descobrir os enigmas daTterra e do homem.”
Ao Dr. Lund em seu repouso _ Carlos Drummond de Andrade


Autora: Ana Paula A. Marchesotti


Fonte: Revista Condomínios

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