domingo, 19 de maio de 2013

Eleições: algumas reflexões necessárias.



Casos de corrupção ocupam as manchetes da imprensa e a impunidade nos causa grande indignação. Porém, não podemos deixar que esse sentimento nos leve à apatia e à rejeição ao processo democrático, sobretudo com a proximidade das eleições municipais.

Pensei em escrever algumas reflexões a esse respeito e me lembrei de que há alguns anos atrás escrevi um artigo sobre esse tema na Revista Condomínios (n. 5, julho/2007). Ao lê-lo percebi que estava em plena sintonia com nossa realidade de 2012 e com o que desejava escrever. Resolvi, então, republicá-lo com algumas adaptações. Aí vai: É comum escutarmos pessoas afirmando que o Brasil não tem futuro ou que vão anular seu voto, pois todo político é corrupto e nada muda no país. Compreendo esses discursos, no entanto, sou obrigada a discordar de seus pressupostos. Ao longo da História, tivemos avanços e retrocessos no processo de construção de nossa cidadania e ainda temos uma extensa estrada a percorrer. Vamos desistir agora?

O Brasil tem quase 200 anos de história eleitoral e quantas mudanças ocorreram nesses anos! A cédula e o processo eleitoral, o direito ao voto e ao mandato político, a certeza da impunidade... As coisas mudaram muito por aqui a partir da luta de muitos brasileiros. Convido-os a conhecer ou relembrar um pouco dessa História.

A urna eletrônica faz parte do nosso dia-a-dia e poucos duvidam da legitimidade do processo eleitoral brasileiro. As cédulas de nossas primeiras eleições – ainda no Império - eram manuscritas, assinadas e levadas ao local de votação já preenchidas. As eleições ocorriam, após as missas, nas paróquias de cada localidade e aqueles que teriam direito ao voto eram identificados naquele momento por um juiz de paz. Não havia alistamento prévio, nem qualquer fiscalização no processo eleitoral. Portanto, as fraudes eram habituais e a impunidade, sequer questionada.

Mais tarde, as cédulas deixaram de ser assinadas e o voto passou a ser secreto; instituiu-se o alistamento prévio (1842); foram criados títulos de eleitor qualificando aqueles que tinham direito ao voto (1875) e “cédulas oficiais” entregues no momento da votação (1955). O processo eleitoral obteve avanços, porém permanecia controlado pela aristocracia rural brasileira (“voto de cabresto”) e marcado pelas fraudes e impunidade.

Se atualmente as pessoas têm abdicado de seu direito ao voto ou questionado sua obrigatoriedade, num passado muito recente a reivindicação era pela ampliação desse direito.

Durante todo o Império só os homens, maiores de 25 anos ( 21 anos, se casados), alfabetizados (lembre-se que o voto era assinado) e com uma renda anual de 100 mil réis podiam votar . Em 1889, a República acabou com essa exigência de renda e diminuiu a idade mínima para 21 anos, entretanto, os analfabetos e mulheres permaneceram excluídos de seu direito. As mulheres só o ganharam em 1932 e os analfabetos, em 1985. O voto facultativo para jovens de 16 e 17 anos foi introduzido em 1988.

Hoje temos no Brasil o voto universal e secreto: todos com idade acima de 16 anos. Independente de sexo, credo, cor, classe social, têm seu direito garantido por lei. Quantos reivindicaram, lutaram e até foram punidos para que conquistássemos o direito de escolher nossos governantes? Nada nos foi concedido pela benevolência da elite brasileira. Se atualmente há eleições democráticas e legítimas, devemos aos “guerreiros” brasileiros que sonharam com um país melhor e não se conformaram com a realidade que viviam.

Sei que vocês devem estar pensando: “Tudo bem...muitas coisas mudaram. Mas e a impunidade? Essa continua aí a nos indignar.” Concordo, apesar de reconhecer os avanços também nesta questão. Há alguns anos atrás, os crimes cometidos pela elite sequer eram investigados e, muito menos, divulgados. Construímos no país uma Polícia Federal ativa e autônoma; uma imprensa investigativa e dotada de liberdade de expressão; uma legislação que nos abriu algumas possibilidades de punição, apesar de extremamente insuficientes. Avançamos, mas não o bastante.

A impunidade – assim como a corrupção - precisa ser combatida. Esse é um dos desafios de nossa época. Impossível? Quantas coisas consideradas impossíveis já foram conquistadas? É fundamental lembrarmos a todo o momento que somos os agentes de nossa História e que, portanto, precisamos sair do âmbito das reclamações para o das ações.

Ana Paula Almeida Marchesotti PUBLICADO NA REVISTA BEM DE VIDA, N.35 - AGO/SET 2012, P.10.

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