domingo, 19 de maio de 2013

Santa Casa de Misericórdia: História e desafios.





Quando tecemos elogios, críticas ou utilizamos os serviços da Santa Casa de Misericórdia não temos consciência da amplitude, princípios e natureza das ações da instituição, nem sequer de suas remotas origens históricas. Essas instituições existem há séculos e sempre exerceram um papel importante em nossa sociedade.

Existem várias Santas Casas de Misericórdia espalhadas pelo Brasil e todas têm uma origem comum: a Santa Casa de Lisboa fundada em 1498. Em sua essência, têm como princípio a prática das obras da Misericórdia compiladas por Tomás de Aquino no século XII: Dar de comer a quem tem fome; Dar de beber a quem tem sede; Vestir os nus; Visitar os doentes e presos; Dar abrigo a todos os viajantes; Resgatar os cativos; Enterrar os mortos. Portanto, as Santas Casas sempre foram muito mais do que hospitais...

No Brasil, a primeira Santa Casa de Misericórdia foi criada em Olinda (1539) e, até a Independência, mais dezesseis foram implementadas. Tinham como objetivo atender à população carente, cuidando dos enfermos em seus hospitais, alimentando os famintos, sepultando os mortos, educando os enjeitados em seus orfanatos e acolhendo os recém-nascidos abandonados na Roda dos Expostos.

A Roda dos Expostos era fixada ao muro do hospital da Santa Casa, na qual era depositada a criança indesejada. Ao girar a roda, era conduzida para dentro, sem que a identidade de quem ali a colocasse fosse revelada. As crianças eram acolhidas e educadas pela instituição. As Rodas dos Expostos foram abolidas pelo Código de Menores de 1927.

Durante o Império, as Santas Casas acompanharam algumas mudanças da sociedade e o foco passou a ser o cuidado com os enfermos e amparo à infância desvalida. Foi uma resposta ao cenário epidemiológico criado pelas epidemias do século XIX, que resultou no aumento de órfãos, mendigos e doentes.

Com a República vieram doenças como varíola e tuberculose, epidemias abrangentes que assolavam não só aos pobres, mas toda população. Nesta conjuntura, as Santas Casas, sozinhas, já não conseguiam dar resposta às crescentes necessidades da Saúde. Ao seu lado, começaram a surgir instituições puramente estatais de assistência médica. Na verdade, desde o período colonial há registros de conflitos entre as Santas Casas e os municípios, pois esses se isentavam de suas obrigações, sobrecarregando as estruturas das Santas Casas.

A legislação brasileira – diante da precariedade e insuficiência de unidades hospitalares – permite que instituições particulares sem fins lucrativos atendam uma parte do público do SUS. Este é o caso das Santas Casas de Misericórdia: instituições particulares, laicas e filantrópicas, que em muitos municípios brasileiros garantem o serviço de saúde da população através de seus hospitais.

A fonte de renda das Santas Casas de Misericórdia vinha inicialmente das doações e esmolas. A partir do século XIX essas entraram em decadência e outras surgiram: festas filantrópicas, recursos de loterias, convênios e subvenções estatais. Ao mesmo tempo, as ações voltadas para a assistência médica foram crescendo em detrimento do incremento das demais atividades.

A Santa Casa de Misericórdia de Lagoa Santa iniciou suas atividades em 2001. A demanda da cidade por um hospital era latente, assim como a impossibilidade da Prefeitura construí-lo e mantê-lo. A alternativa foi a criação de instituição privada sem fins lucrativos que pudesse efetivamente prestar esse serviço à população. Desde então, a Santa Casa focou suas atividades no atendimento hospitalar, apesar de seu Estatuto permitir outros campos de atuação.

Uma bela trajetória institucional tem sido traçada desde então, apesar dos percalços do caminho. Porém, equívocos provocados pelo desconhecimento da população são constantes. Muito se exige dessa instituição, mas sem compreensão de sua real função e responsabilidade. Por exemplo, alguns acreditam que a Santa Casa pertence à Prefeitura ou é mantida por ela; outros que o Pronto Socorro é de responsabilidade da Santa Casa. É necessário compreender que a Santa Casa de Lagoa Santa é uma entidade filantrópica administrada por voluntários e que se mantem através de convênios e parcerias. O Pronto Atendimento é de responsabilidade da Prefeitura e funciona na Santa Casa em forma de parceria.
Portanto, precisamos conhecer a história, a trajetória, os objetivos, atividades e funcionamento da nossa Santa Casa para demandarmos dela o que ela pode e deve nos oferecer com qualidade. Ao mesmo tempo, precisamos cobrar do Poder Público o que é sua responsabilidade constitucional. Mas, sobretudo, não podemos nos eximir de nossas responsabilidades cidadãs de reivindicar, fiscalizar e contribuir para que tenhamos um atendimento de qualidade. O conhecimento leva à compreensão e esta à ação necessária para a transformação da realidade.

Ana Paula Almeida Marchesotti PUBLICADO NA REVISTA BEM DE VIDA, N 38, FEV/MAR 2013, P. 10.

2 comentários:

Cristiam Velozo disse...

Muito bem escrito e esclarecedor! :D

Marco Machado disse...

Parabéns pelo trabalho...
Quando der, por favor visite meu trabalho, pois falamos do mesmo tema.
http://museudotijoloantigo.blogspot.com/
Procure por: Parte 20. Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Abraços.